Domingo de manhã
Como o Outono não vem, as árvores ainda têm folhas verdes. Por detrás do Instituto ainda não se vêem as clareiras que me permitem, nesta altura, espreitar o telhado da casa onde dantes via estudantes de bata branca de ar mais ou menos assustado olharem para o infinito...que, presumo, seria o professor. Ou talvez alguma bactéria mais foleira. Nestas alturas também via melhor o burro. Mas o burro morreu.
...
Há um irmão do Bono, irmão, porque deve haver um Deus qualquer dos Gatos e eles deverão, se algo crentes, assim se considerarem, e porque é quase igualzinho, preto e branco e de olhos grandes, que continua ao Sol no muro. E não o vejo abanar o pelo para enxotar nenhuma folha castanha que se tenha regulado pelo calendário e não pelo Boletim Meteorológico.
..
Levantei-me cedo e peguei na caneca para tomar o leite com café sentada à janela. Durante vinte minutos não passou ninguém na rua. Depois, passou uma senhora de passos apressados e o irmão do Bono levantou as orelhas. Voltou ao Sol e a senhora deve ter ido à Missa. Os sinos já estavam a tocar há um bocadito. Quando saí para beber a bica, a respiração do meu filho confundia-se com a do Bono. A mãe vai ao cafezito. Creio que abriram os dois um olho. De vez em quando acho que o Bono pensa que eu sou mãe dele. Apesar de, pelo que sei de gatos, não dever entender muito bem porque não sou capaz de me ir sentar em cima dos móveis da cozinha, com a cabeça encostada ao tecto.
...
Pelo caminho de volta espreitei o Tejo no Torel. Havia um ou dois bancos ocupados com homens que dormiam. Não sei se passam lá a noite. Ou se aproveitam o Sol, como o irmão do Bono. As folhas também têm visto o Boletim Meteorológico. E não havia vozes.
...
Quando vim viver para aqui, já lá vão dez anos, aos Domingos trabalhava de manhã cedo e espreitava sempre o Tejo quando saía de casa. Acho que o Tejo, nisto de dias da semana, sabe de calendários. Parece que se veste melhor ao Domingo. Está muito bonito hoje.
Preciso do Tejo. Faz parte da minha casa. Como o telhado vermelho da casa das bactérias, a recordação do burro, o ronronar do Bono, o silêncio das manhãs de Domingo. O cheiro a torradas da casa da vizinha. O respirar do JP. Não saberia viver noutro lugar nem de outra forma. Apesar de, mais cedo ou mais tarde, as folhas caírem e de, algumas vezes, o azul se tornar acinzentado. Apesar de saber até, parte complicada de saber esta, que num Domingo qualquer o JP vai acordar ao som de outro sino qualquer...e que eu vou reclamar.
...
PS: Nesta foto, as árvores ainda não tinham folhas. Foi, creio, tirada em Março. Há um espaço entre o já não terem e o ainda não terem, em que faz algum frio. Mas pelo que sei de árvores, elas sabem que é passageiro.
...
Há um irmão do Bono, irmão, porque deve haver um Deus qualquer dos Gatos e eles deverão, se algo crentes, assim se considerarem, e porque é quase igualzinho, preto e branco e de olhos grandes, que continua ao Sol no muro. E não o vejo abanar o pelo para enxotar nenhuma folha castanha que se tenha regulado pelo calendário e não pelo Boletim Meteorológico.
..
Levantei-me cedo e peguei na caneca para tomar o leite com café sentada à janela. Durante vinte minutos não passou ninguém na rua. Depois, passou uma senhora de passos apressados e o irmão do Bono levantou as orelhas. Voltou ao Sol e a senhora deve ter ido à Missa. Os sinos já estavam a tocar há um bocadito. Quando saí para beber a bica, a respiração do meu filho confundia-se com a do Bono. A mãe vai ao cafezito. Creio que abriram os dois um olho. De vez em quando acho que o Bono pensa que eu sou mãe dele. Apesar de, pelo que sei de gatos, não dever entender muito bem porque não sou capaz de me ir sentar em cima dos móveis da cozinha, com a cabeça encostada ao tecto.
...
Pelo caminho de volta espreitei o Tejo no Torel. Havia um ou dois bancos ocupados com homens que dormiam. Não sei se passam lá a noite. Ou se aproveitam o Sol, como o irmão do Bono. As folhas também têm visto o Boletim Meteorológico. E não havia vozes.
...
Quando vim viver para aqui, já lá vão dez anos, aos Domingos trabalhava de manhã cedo e espreitava sempre o Tejo quando saía de casa. Acho que o Tejo, nisto de dias da semana, sabe de calendários. Parece que se veste melhor ao Domingo. Está muito bonito hoje.
Preciso do Tejo. Faz parte da minha casa. Como o telhado vermelho da casa das bactérias, a recordação do burro, o ronronar do Bono, o silêncio das manhãs de Domingo. O cheiro a torradas da casa da vizinha. O respirar do JP. Não saberia viver noutro lugar nem de outra forma. Apesar de, mais cedo ou mais tarde, as folhas caírem e de, algumas vezes, o azul se tornar acinzentado. Apesar de saber até, parte complicada de saber esta, que num Domingo qualquer o JP vai acordar ao som de outro sino qualquer...e que eu vou reclamar.
...
PS: Nesta foto, as árvores ainda não tinham folhas. Foi, creio, tirada em Março. Há um espaço entre o já não terem e o ainda não terem, em que faz algum frio. Mas pelo que sei de árvores, elas sabem que é passageiro.
Etiquetas: Isabel Faria
2Comenta Este Post
Comecei a ler blogues quando, por um acaso, encontrei o Afixe. Desde essa altura que quando chego ao fim dos textos da Isabel fico com um sorriso nos lábios:) Queria apenas agradecer a generosidade nesta partilha.
Mais um texto delicioso:)
Obrigada Ana. Mas sabes que fui perdendo essa disponibilidade (volta às vezes, mas confesso que e fico triste por isso por gostava dela)?
Agora estes textos custam um pouco mais a sair. Creio que a culpa é de um dia ter decidido ter um nome inteiro...agora os protagonistas, e eu sou mesmo muito má em ficção, acabam por também ter um nome...inteiro. E não sai da mesma forma.
Tenho saudades do Afixe.
Enviar um comentário
<< Home