Não me apetece nada disto
Não gosto deste tempo. Estamos a uma semana do Verão e chove. Mas se chove deveria fazer frio. Era assim no meu tempo de escola. Chover e fazer calor não devia acontecer. Se quisesse viver num clima tropical não tinha nascido aqui. E eu nasci aqui. Apeteceu-me.
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Hoje a rua estava cheia dumas flores esquisitas. Não sei se eram flores, mas eram esquisitas. Caíam das árvores e colavam-se aos pés. Não é Outono e não faço ideia porque é que há flores a cairem das árvores a uma semana do Verão. Se eu quisesse ter nascido num lugar onde as flores caissem das árvores em Junho, tinha nascido. Ou as folhas. Mas não. Não me apeteceu. E não estou nada de acordo.
As flores que se agarravam às solas dos sapatos eram castanhas. Não devia haver flores castanhas. Castanho é côr de terra. E de folhas secas. Não de flores. Muito menos de flores em Junho, quando não é Outono. Pelo menos, aqui. Onde me apeteceu nascer.
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Aquelas flores castanhas pareciam algumas palavras. Quando caiem a gente já não as consegue nunca mais voltar a apanhar. Colam-se aos pés. Às vezes também se colam à alma. Mas aí ainda as apanhamos. Às vezes, mesmo se custa. Ou dói. Detesto palavras que me fujam. Pelo menos em Junho, detesto. Acho que no resto do ano também. No meu tempo de Escola nunca deixava as palavras fugirem. Tinha tanta força para correr atrás delas. Agora, às vezes, a força foge. E elas, as palavras, também. Não me apetece nada isto.
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O pior das flores é a gente pisá-las. Das palavras também. Que porra, porque é que, às vezes, as palavras ficam assim castanhas? Nunca deveria haver palavras castanhas. as palavras são amarelas, verdes, azuis, vermelhas...até pretas em caso de muita necessidade, mas castanhas nunca. Castanhas é a côr da terra. E do Outono. Mas não há Outono em Junho, já disse. Logo não podem haver palavras castanhas. Que se pisem. Ou caiam das árvores. Ou da alma. A alma é assim uma espécie do coração, mas que não se ouve bater. Só se sente. Ou não. Quando está castanha não. Não me apetece nada ter uma alma castanha. Que não se sente.
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Tenho saudades de flores azuis e amarelas. De palavras também. Esta semana vou tentar devolver as palavras às árvores. Só é preciso que páre a chuva. Em Junho não deve chover. Não nasci aqui para chover em Junho. Só para espreitar o Mar. Talvez vendo o Mar, as palavras voltem. As de côr não castanha. Tenho mesmo que ver o Mar.
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O Mar nunca se cola às solas dos sapatos.
E no Outono caiem é folhas. A imagem prova-o. São castanhas mas são folhas. Secas. Não nasci aqui para cairem flores em Junho. Não me apetece nada isso. Nem haver flores castanhas. Nem palavras. Amarelas, azuis, vemelhas...até flores e palavras pretas eu aceitava, agora castanhas, não me apetece nada.
Etiquetas: Isabel Faria
4Comenta Este Post
tive saudades tuas e logo tive a sorte de cair neste texto tão verde. e eu azul. :)
Pois é 'Cecília' esta é a nossa Isabel. Que por vezes anda tão cansada que nem lhe apetece escrever. Mas a gente agradece às «flores»?? castanhas que se lhe agarraram aos pés, este texto. Afinal tiveram utilidade.
nem a sacana da chuva lava a porcaria existente nesta cidade de lisboa., devia chuver a cantaros. a baldes, ás picaretas, e que os candidatos fossem regar o majarico ou que se afugassem Fossem regar os manjericos ou que se afogassem no lago de nenúfares, pena das plantas
no lago de nanu
Também acho, por alguma razão andamos anos seguidos de escolaridade, logo de pequeninos, a aprender as características de cada estação do ano, o vestuário, a alimentação, as actividades económicas.....
Até as árvores que plantam nos lugares públicos vêm não se sabe de onde, comportam-se de modo estranho (deixam cair flores castanhas na Primavera!!!)....já nada é como dantes, nem o clima, nem as plantas.......
Se pelo clima, as grandes decisões ultrapassam o planeamento regional nacional, quanto ao resto, exijamos vegetação autóctone, adaptada à região, solidária com a outra vegetação expontânea, que mais raramente tráz os problems alérgicos associados a estas espécies "exóticas".......Enfim, juntar o útil ao agradával tá bem, mas podiam planear um pouco, não? Dava jeito aõs cidadãos, fisíca e psicológicamente!
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