Um daqueles casos em que tenho mesmo muito poucas certezas...
A notícia de que uma apresentadora de um concurso foi despedida na Alemanha por usar uma frase nazi "Arbeit macht Frei”, durante a apresentação dum programa, deixa-me perplexa.
Perplexa por não conseguir ter quase nenhuma certeza sobre isso.
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Não sei se uma frase, mesmo que se dita conscientemente, ao vivo, num programa, e imediatamente assumida como um erro, deve ser encarada como um atropelo à memória dos mortos nos campos de concentração nazis, onde "O trabalho liberta", encimava os portões que levavam à barbárie e à morte.
Não sei se respeitar a memória passa necessariamente por carregar tal culpa que impeça alguém, por um momento, levianamente, de fazer um trocadilho infeliz.
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Não sei nada da senhora. Não sei se alguma vez teve na sua vida qualquer acto ou qualquer palavra que nos permita colocar-lhe o rótulo de defensora dos ideais nazis. Creio que quem apenas tenha conhecido a senhora por este triste episódio, sabe tão pouco dela como eu.
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Não sei se para um jovem alemão, hoje, a memória dos campos de concentração nazis ainda está tão presente que usar uma frase dos campos do genocídio possa significar mais do que inconsciência, ignorância ou irresponsabilidade. Não sei se um jovem, em Portugal, descobrisse por aí uma das famosas frases de Salazar e do Estado Novo e se a usasse estaria a afrontar e a manchar a memória de quem lutou e morreu contra o fascismo em Portugal ou, tão só, a ser inconsciente e/ou ignorante.
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Não sei se a culpa que os alemães carregam os encaminha sempre para defender as causas dos povos oprimidos, perseguidos e chacinados de hoje. Não sei, por exemplo, se os donos do canal de televisão serão tão "radicais" se alguém, num programa de Televisão, falar, levianamente ou não, no Muro que Israel construiu e que faz da Palestina um gigantesco campo de concentração.
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Não sei se não seria muito mais pedagógico, que a apresentadora de uma forma voluntária e consciente, apresentasse as suas desculpas, extendendo-as, especialmente, às vitimas dos lugares do "trabalho liberta" e assumisse publicamente o erro de apagar a memória banalizando a história.
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Uma coisa sei: não é justo nem digno que se despeça alguém, na Alemanha ou em Portugal, sem um processo disciplinar. Seja um electricista do canal seja a apresentadora de um dos seus programas.
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Etiquetas: Isabel Faria
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Certamente a frase é de mau gosto, mas denoto nisto alguma má consciência dos alemães com o seu passado, e que só assim sabem resolver este tipo de situações .
Talvez seja uma maneira hábil de não se discutirem a fundo as questões, ou de como um povo que nos deu tantos filosofos, poetas pintores, musicos, cineastas, de excelência, aceitou quase sem resistência um regime como o dos nazis.....
Os apresentadores de programas, como eu, por exemplo, no Eixo do Mal, não são funcionários. Ou seja, não se lhe aplicam as mesmas regras e muito menos processos disciplinares. Para o canal de televisão é indiferente saber quais as posições políticas da senhora, nem ninguém deve ser despedido por causa das suas posições políticas. O problema do canal era a própria imagem do canal.
É injusto dizer que os alemães não discutiram o Holocausto. Discutiram como praticamente nenhum país discutiu os seus crimes. E não querem, compreensivelmente, que isso seja assunto de piada em programa televisivo. É preciso dizer que a frase, na Alemanha. é imediatamente identificável por qualquer pessoa. Aliás, o riso da rapariga só tinha a ver com isso mesmo.
De resto, a maior parte do povo já não é o mesmo. E o que é hoje (cosmopolita, tolerante, democrático e muito mais reactivo à s manifestações nazis e racistas do que qualquer país europeu) resultam da sua história. Os povos, se têm alguma identidade, ela muda. É a sua história que a constrói.
Daniel, tens uma certeza que eu não tenho. Seguramente que em Portugal, como na Alemanha, há apresentadores de programas que são funcionários e que têm contratos de trabalho e há comentadores ou participantes, como o teu caso no Eixo do Mal, que não são funcionários nem têm contratos de trabalho.
Não acredito que na Alemanha ou em Portugal todos os apresentadores de programas não sejam funcionários das empresas onde trabalham. Podes ter a certeza disso quanto à senhora em causa? .
Claro que a senhora sabia exactamente o que a frase significa. Mas se a senhora fosse fuuncionária e o processo disciplinar existisse o que se iria investigar era se o riso era por ter dito uma piada de mau gosto...ou de atrapalhação por ter feito, levianamente, uma ofensa e não saber como haveria de sair dela...
Mas quanto ao resto.
O Holocausto não envergonha, apenas, o povo alemão. O Holocausto envergonha-nos a todos. O alemães de hoje deverão, se querem de facto, enterrar os seus mortos e os seus assassinos,serem anti-racistas, tolerantes, democráticos...tens a certeza que o são sempre?
Recoloco a questão de Israel...mas podia-se juntar outras. A consciência dos crimes do passado num povo não pode servir, apenas, para que esse povo não queira cometer os mesmos erros e os mesmos crimes. Também tem que servir para os denunciar nos outros.
Escrevi aqui e repito as duas questões: não seria mais pedagógico, se de pedagogia se tratasse, que a senhora se desculpasse publicamente e se publicamente assumisse o erro de, levianamente, ter usado uma frase que atenta contra a memória e a dignidade do seu povo?
Assim, salvou-se a imagem do canal de televisão. Ok. Ajudou-se a Democracia?
Aconteceria alguma coisa, na Alemanha, a alguém que, num canal de televisão, fizesse uma piada sobre Muro da Vergonha que faz dos exterminados de ontem, os exterminadores de hoje?
Porque se não acontece, Daniel, pode-se falar que a Alemanha se envergonha do seu passado. Não, necessariamente, que tenha aprendido com ele.
Anónimo, foi isso que tentei questionar no post e na resposta ao daniel.
Envergonhar-se com o seu passado não significa necessariamente tê-lo compreendido e aprendido com ele.
Isabel: tanto quanto percebi dessa história, a senhora pediu desculpa logo após ter dito a tal frase, sem que ninguém a tenha obrigado a isso. Mas de uma maneira ou de outra, os alemães são hiper sensíveis ao holocausto.
Liberdade de expressão sempre, Isabel. Para todos.
Snowgaze, não entendo alemão. Pelo que li a senhora, efectivamente, pediu desculpas en publico, quando o programa recomeçou,por aquilo que acabava de dizer.
A minha dúvida seria, pois, se de um ponto de vista pedagógico não se poderia ter dado um maior enfase a esse pedido de desculpas. Mas, confesso, que continuo sem ver uma necessidade maior do que essa...mas, talvez, eu não entenda essa culpa da mesma forma que os alemães a carregam. De qualquer forma, não cerio que a culpa seja boa conselheira. A conciência, sim. A memória, iden. A culpa não serve de nada.
(Fernando, OLÁ!!!!!!!!!
Tás cá???? e com link!!!!!!!!Acredita que é bom "ver-te")
Agora, o teu comentário. Não creio que esse conceito seja assim tão completamente linear. Apesar de, para mim, ser uma pedra basilar de um regime democrático.
Eu estou perfeitamente de acordo que a Constituição Portuguesa proíba a divulgação de ideias fascistas e racistas. Lamento até que a Constituição não se cumpra.
Revoltei-me quando a RTP fez um progrma que não passou de um lavar da história com a apologia que fez de Salazar. Não aceitaria que houvesse um qualquer apresentador de concurso que passasase o programa a dizer "Angola é nossa" e "Deua, Pátria, Autoridade".
Mas não é disso que se trata. Trata-se de um episódio. Infeliz, mas um episódio. Não creio sequer que a senhora dissesse aquilo por achar que tinha o direito a fazê-lo (daí o pedido de desculpas imediato).
A sra não fez a apologia do nazismo. A senhora, pelo que se percebe, disse uma piada leviana usando uma expressão nazi.
Sabes (deves calcular...) que tive tal e qual as tuas dúvidas e comecei até a escrever uma coisa que não terminei,... tal as dúvidas.
é certo que a frase era delicada. E acredito que essas frases sejam mais conhecidas por lá mesmo entre os jovens do que dizer-se por cá «Sei o que quero e para onde vou», ou «A verdade é só uma» ou «Para Angola, em força», ou «Orgulhosamente só» frases que eram banais e hoje só os velhinhos as lembram.
Contudo a polémica vista daqui parece muito exagerada. Se a rapariga se deu conta de que tinha sido uma graça de mau gosto, se pediu desculpa, aparentemente o castigo ultrapassa o crime.
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