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quinta-feira, julho 03, 2008

A dignificação do amor

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
...
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
...
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
...
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
...
...NNão temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
...Adeus.

Abolindo o conceito de culpa, da legislação sobre o divórcio, o Parlamento dá um passo em frente na dignificação do amor.
Faltou aceitar o pedido de um dos conjugues para a efectivação do divórcio, mas o encurtamento do prazo de separação efectiva de três para um ano, contribui também para que a Lei ontem aprovada em Comissão Parlamentar alivie o sofrimento daqueles que, simplesmente, deixaram de se amar.
...
Não ha coisas definitivas na vida. Não hé sentimentos definitivos. Nem sempre se ama para sempre.
...
No casamento baseado na submissão, na dependência económica, no preconceito e na culpa, o amor poderá existir, mas não é a sua base, o seu suporte nem o seu objectivo. Numa relação afectiva, com ou sem papéis passados, os homens e as mulheres livres amam-se, querem-se, não se suportam, não se mutilam nem se anulam.
Aceitar o fim do casamento como resultado do fim do amor, é condição de liberdade, mas, sobretudo, de responsabilidade....
...
No poema memorável com que começa este post, Eugénio de Andrade falava do momento em que as palavras se esgotam. Em que já nada há nas algibeiras, nem na pele, nem no olhar, nem no coração. Acontecem momentos assim nas relações afectivas também. O facto de nem sempre as palavras se esgotarem simultaneamente, de algumas vezes os olhos do outro deixarem de ser peixes verdes, antes dos nossos ou vice-versa, não ficou ainda salvaguardado nas alterações à Lei. Penso que a vida se encarregará de nos fazer lá chegar. Porque na vida não há, definitivamente, nada eterno. A não ser a eternidade de cada momento. E essa dura enquanto o frio não chega.

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2Comenta Este Post

At 7/04/2008 2:15 da manhã, Blogger samuel escreveu...

Seria tudo muito mais simples se seguíssemos o diktat da Dona Manuela Ferreira Leite e casássemos apenas para procriar... sem estas metafísicas Eugenianas e peixes verdes e palavras gastas e casamentos (valha-nos a santa) entre os... aqueles que... tu sabes.
Mas felizmente não seguimos!

Abreijos

 
At 7/04/2008 10:22 da manhã, Blogger Isabel Faria escreveu...

Samuel, já lá em baixo tinha dedicado o poema da Natália à Sra...e deixado a questão: quantos filhos terá (deveria ler a Caras eu sei...)terá sido só uma vez, tadita???

 

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