Afinal vimos gente
Ao ler as notícias, o caso já não parecia claro. Passa-se pelo site da Junta de Freguesia, depois de ler as notícias, e a confusão aumenta. Vai-se ao local e parece que entramos numa história surrealista.
Há uns dias, os jornais noticiaram que os funcionários da EPAL se deslocaram ao Bairro da Liberdade, em Campolide, com a finalidade de cortar a água às casas situadas na Rua da Samaritana e na Travessa da Capela. Tinham um ofício da CML. Tinha-lhes sido dito que iam cortar a água a habitações vazias. Aliás, segundo nos informava hoje uma moradora do Bairro há mais de cinquenta anos, ter-lhes-iam dito que iam cortar a água a casas que estavam a ser demolidas há uma semana.
Quando, espantados com o aparato, os moradores vieram às portas, os funcionários da EPAL não só confirmaram que as casas estavam "em pé", como que estavam em pé com gente dentro.
"Coitados, até ficaram aparvalhados", dizia um morador.
Num pequeno patio, que hoje visitámos, vivem, segundo os moradores, cerca de 25 famílias. A uma média de três elementos por agregado familiar, é só fazer as contas. Uma das moradoras que falou connosco tem dez pessoas no seu agregado familiar. Todas elas são moradoras do Bairro há décadas. Nenhuma delas foi realojada. Todas elas pagam água à EPAL e pagam renda aos senhorios. Nenhuma delas foi avisada nem do corte da água nem da prevista (ou, segundo os fiscais da EPAL, já em curso) demolição.
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As notícias, baseadas nas informações da CML, dão conta que aqueles moradores, são moradores que subalugaram casas a moradores realojados (ou aos senhorios dessas casas, com o realojamento deixadas vazias) há meia dúzia de anos, em casas que ficaram por demolir e que, devido à falta de verbas da CML, nunca foram demolidas. Acontece que grande parte daqueles moradores já nasceram ali e todos têm mais de meia dúzia de anos... Acontece que, efectivamente, houve quatro famílias que foram, em 2001, realojadas, mas as suas casas encontram-se abandonadas, cheias de lixo e ratos, entregues, segundo alguns moradores "à droga e à prostituição". Pode haver casos de subaluguer ilegal no Bairro, mas pelo que nos deu para ver, só se forem excepções e nós não encontrámos nenhuma.
As pessoas que ali vimos moram ali desde sempre. Não foram ocupar casas de moradores, entretanto, realojados e são umas centenas. Na passada semana evitaram que lhes cortassem a água que mensalmente pagam...vimo-los com os nossos olhos. Existem. Tal como nós, esta tarde, na semana passada os funcionários da EPAL, deveriam pensar que estavam num filme burlesco, se não se tratasse de um filme real com pessoas de carne e osso.
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Entretanto, no site da Junta - uma Junta PSD/CDU, é reafirmado que os moradores são moradores recentes, com casas alugadas depois de os seus anteriores moradores terem sido realojados. Entretanto, nas notícias do JN, o Presidente da Junta declara que está muito satisfeito com a demolição e que a Junta até ofereceu dinheiro à CML, pois conhece as dificuldades financeiras da Cãmara para que a demolição se efectivasse. Entretanto, a CML há anos que vai enviando engenheiros e fiscais e fotógrafos, como nos foi dito por um morador, mas ninguém fala com os moradores. Ninguém lhes diz para onde vão. Ninguém lhes dá explicações sobre a história do corte de água, sobre o seu "desaparecimento do Bairro" ou sobre as notícias anunciadas da demolição "na próxima semana".
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Não vimos nenhum caso dos que fala o Presidente da Junta, mas, mesmo se fosse verdade, mesmo se, efectivamente, os moradores de hoje fossem imigrantes a pagar balúrdios por casas sem condições, fruto de oportunismo ou da especulação, mesmo que nos tivessem falado, não em quatro famílias realojadas e em quatro casas deixadas abandonadas, mas nos tivessem falado em 40 ou em 400, e nos tivessem confirmado que essas foram, efectivamente, ocupadas por "novos moradores", vítimas da especulação e do oportunismo, mesmo se o Presidente da Junta tivesse razão, fica a pergunta - se as casas forem demolidas ficariam (ficarão) a viver onde? Na rua?
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Parece que a CML prometeu aos jornalistas uma declaração sobre o assunto para esta noite. Possivelmente porque a jornalista informou que o BE estava no Bairro a falar com os moradores que, para a CML, não existem...
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No pátio onde entrámos, as pessoas sentadas ás portas, dizem que se eles lá forem não saem de suas casas. As mais afoitas dizem que não os deixam demolir...uma das mais idosas, que me ofereceu hortelã da sua horta (meia dúzia de pequenos canteiros em caixotes com couves, tomates, tomilho. salsa...), para a sopa do cozido, dizia que só lhe demoliam a casa com ela lá dentro. Vive lá desde que se lembra. Nasceu lá. Deve ter a idade da minha mãe. Não foi realojada. Vive numa casa baixinha como todos as outras casas daquele lugar. Não tem rancor na voz nem no olhar. Nem resignação. Por um mecanismo qualquer, que não dá para entender, aquela mulher, que não deve sair daquele lugar quase sem luz, há anos, tem uma luz cordial e terna no olhar. Acho que vi esperança na senhora dos canteiros com tomates e hortelã. Quem entra naquele lugar não sabe como tal é possível. Apenas o sente.
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A única forma de entendermos o que, efectivamente, se passa no Bairro da Liberdade, foi lá ir. falar com os moradores. Sentir o Bairro. Depois desta tarde, posso dizer sem nenhum receio que a CML não sabe o que faz em Campolíde. Posso dizer que não fala verdade. E posso dizer que o Bloco tem que estar no seu lugar. E o seu lugar é onde estivemos esta tarde. Nos lugares onde há injustiças, incúrias, insensibilidades, autismos, interesses mais ou menos obscuros. Atrever-me-ia a dizer que se conseguirmos estar em lugares destes, onde ainda há gente com olhares de esperança, estamos no nosso lugar.
Por momentos, talvez quando o cheiro a hortelã desapareceu dos dedos, lembrei-me que nenhuma daquelas pessoas viu nenhuma diferença nas suas vidas, com os sucessivos executivos que passaram pela CML. Disseram-nos isso, olhos nos olhos. Falta, pois, fazer tudo.
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Etiquetas: Isabel Faria
6Comenta Este Post
A visita inspirou-te muito! ;) Também achei muito importante o Bloco ter ido ao Bairro da Liberdade, falar com as pessoas, ouvi-las, mesmo quando não nos agrada o que se ouve. E não é nada agradavel ouvir os moradores a dizerem que pagam água, renda e as suas contribuições, vivem em condições dificílimas, mas que da Câmara só têm recebido atitudes insensatas como esta de quererem cortar a água a dezenas de família do bairro.
Vá-se lá saber porquê, a Câmara entendeu que o Bairro da Liberdade não é uma prioridade. Pois caberá ao Bloco fazer dos mais pobres da cidade a sua própria prioridade.
Pedro, eu inspiro-me facilmente :))))
Bem, pelo menos ainda concordamos nalgumas coisitas )LOL)...agora vamos ver a resposta que dá a CML
E partamos para a próxima, que há bem mais Bairros da Liberdade à espera que por lá passemos.
tenho que voltar a andar de autocarro... ontem apanhei um tal de 56 para ir ao bairro da Liberdade, a ideia era sair em "estaçao de campolide" so que isso fica na av. de Ceuta. Eu pensei que o autocarro subia ate campolide mesmo.... conclusao fui parar ao palacio das industrias.... o pior foi que as moedas que tinha gasteias a comprar a viagem...e depois para voltar? tive que andar quase um kilometro e meio a pé só para encontrar um multibanco...
Depois até que o 751 viesse .... conclusão
Tenho que voltar a andar de autocarros...
:-)
António Lage
Vês o que faz andares sempre de carro???!! (ok, confesso, eu ontem também fui de carro...).
Perdeste a oportunidade de ver as "duas casas ocupadas" de que fala o comunicado ontem enviada pela Cãmara...e que evitaram que a EPAL cortasse a água.
Não faço idáia se as "duas" foram tiradas á sorte, se "as duas" esram as dos que estão completamente ocupadas com ratos...nós, só naquele patio vimos dezenas de casa, possivelmente ocupadas por uma centena de pessoas...mas possivelmente foi do calor...
A visita valeu a pena... e eu fiquei com um convite para ir buscar hortelã sempre que fizesse xcozido...isto se não tivemos todos uma alucinação colectiva e se vimos mesmo a rua cheia de gente...e as casas cheias de gente...
Parabens, finalmente o BE preocupa-se com o que interessa, os moradores de Lisboa, neste caso do Bairro da Liberdade, e apesar de algumas afirmações que não são de todo correctas, o Bairro da Liberdade tinha o triplo do tamanho que tem hoje, mas a nova estação de Campolide, fez sair para outras zonas da cidade muitos moradores,e houve efectivamente realojamentos, assim como desde o tempo do Santana, e a pretexto de que a encosta está em risco de ruir , as varias vereações da Camara, têm tentado expulsar os moradores que restam.
É de assinalar que o PCP aliado ao PSD na Junta de Freguesia de Campolide , tem tido uma posição anti-moradores, apesar de durante a ultima campanha eleitoral, ter acusado o Bloco, de ter inviabilizado uma solução para aquela zona.
Por ultimo de assinalar , em vez das tricas Bloco Sá Fernandes, a discussão dos problemas reais dos moradores de Lisboa.
Os meus parabens.
Quem quiser ir ao bairro basta apanhar o 702 que vai do Marquês até á Serafina ( antigamente ia até ao Terreiro do Paço, mas até isso tiraram aos moradores).
Há não esquecer que o BE elegeu um representante na Junta de Freguesia de Campolide.
Não sei se te referes a afirmações minhas...eu não escrevi que não houve pessoas realojadas, escrevi que !aquelas" pessoas com quem falamos, as das ruas que supostamente iriam ficar sem água e as casas demolidas, não tinham sido realojadas e estavam lá há décadas.
Concordo que temos que fazer mais iniciativas destas. Não consigo concordar que o cumprimento ou não de programas eleitorais e de Acordos sejam tricas...mas isso já tu sabes.
Efectivamente o BE tem um representante na AF de Campolide. Claro que não nos iamos esquecer. Aliás ontem se não esteve connosco, seguramente foi por estar fora de Lisboa (ou por qualquer outra razão de força maior).
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