Quando o dia chega
Há uns dois dias, uma pessoa de quem gosto muito retirou uma fotografia da mesa de cabeceira. Já passaram mais de três meses e só agora de lá saiu. Deve tê-la guardado. Não sei onde. Não lhe perguntei. Também sempre achei que devia ignorá-la nos dias a seguir. E não procurar entender porque ainda lá estava. Sabia que chegaria o momento. E de nada valia tentar adivinhar quando. Imagino o que deve ter custado. ( estranho como a vida, às vezes, tem coincidêncas quase irreais, mas isso é outra história).
Por mais anos que se passem, amores que se percam, paixões que se vivam, nunca se consegue tirar uma fotografia da mesa de cabeceira sem que dôa. E se não doer já a imagem do outro nela, a nossa imagem nela ainda doerá por muito e muito tempo. Quando se gosta muito de alguém, asssim quando alguém é a nossa vida, dariamos tudo para lhe evitar as dores. Não podemos. A dôr do dia em que se tira a foto da mesa de cabeceira não se lhe pode tirar. A da primeira vez deve ser uma dor ainda maior (foi há muito...a memória da intensidade da dor mesmo, já se perdeu pelos tempos). Ainda não se criou calo nem se adquiriu a certeza que uma dia a substituiremos. Ainda nem se aprendeu que um dia aquela, aquela em concreto, acabará por nos fazer sorrir.
Ao escrever isto, penso como maturidade nada tem a ver com a idade. Não fingiu que já tinha passado. Não tirou no dia a seguir levado pela raiva ou pelo desencato. Esperou pelo momento. E quando sentiu que era o momento, tirou-a de lá. Guardou-a num qualquer canto. Quer-me parecer que com serenidade. Aproveitou a arrumação do quarto e guardou-a.
Foi a sua primeira vez...ainda bem que não falamos muito disso.
Entrei no quarto e vi e ele viu que eu vi. E apenas nos olhámos. Falassemos nós mais, em vez de, nestas ocasiões, apenas nos olharmos, e eu ter-lhe-ia dito que custa sempre muito. Cinco, dez, trinta anos depois continuará a custar. A não ser que não seja verdadeiro, custará sempre.
Assim, receio que o tenho visto no meu olhar...até porque as pessoas de quem gostamos muito e que gostam muito de nós sabem sempre sobre os dias em que retiramos as fotos da mesa de cabeceira. Mesmo que, por qualquer razão, nunca, fisicamente, lá tenham estado.
Etiquetas: Isabel Faria
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muito bom texto
Há uma pontita de ironia nesse comentário Arménio, eu conheço-te....mas deixa lá. A mim deu-me um gozo do caraças a escrevê-lo!!!
Pronto
A fase dolorosa já passou,
O enterro foi feito
e sim, esteve à altura, essa pessoa que tu tanto gostas.
Resta agora dar a volta por cima e seguir em frente
Até porque "O final é sempre feliz. Se não é feliz é porque ainda não é o final"
Bjs
António Lage
Por acaso hoje até está nevoeiro.Não vejo nada mas senti que amanhã irás estar melhor.
É certo: « a maturidade nada tem a ver com a idade»
Como se vê neste caso, há jovens adolescentes que mostram uma sabedoria e maturidade notáveis, mas vems a cada momento adultos e bem crescidos, tantas vezes por volta dos 40, a agir de um modo impulsivo e infantil.
Desejamos que também seja feliz a próxima foto (com a desta, deve ter sido)
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