Um prémio mais que merecido
Isto pode ser visto de dois ângulos: ou, porque carga de água é que se precisa de ganhar um prémio para falar de algo ou todos os momentos, mesmo que seja com o pretexto dum prémio, são bons para falar de algo.
Seja qual deles o que se escolha, falemos, então, hoje, de Fado.
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Uma vez tive um namorado. Deve ter sido o segundo. Depois ele arranjou outra namorada. Eu tinha uns óculos de cu de garrafa e uns caracóis que não conseguia pentear e era feiosa, confessemos. E ela era loura, linda, de longos cabelos, às vezes, fazia trancinhas e tinha uns olhos verdes de cair para o lado...
Na altura, então, cantava pelos cantos numa voz desafinadísima que ainda hoje me persegue, de olhos vermelhos e coração despedaçado "Podes sempre bater à minha porta...mas não passes com ela à minha rua". Não sei, sequer, se sabia que isto era fado. Sabia que só aquela frase definia a dor. Mais tarde, aprendi que se chamava dor de corno. Mas isso foi numa época em que continuava a doer, mas já não me queria matar por causa dela...
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Uns anos mais tarde, descobri, noutras andanças, o Fado de Coimbra. "Coimbra tem mais encanto na hora da despedida...". A voz continuava esganiçada, mas, continuava a haver partidas. E eu a cantar.
...Houve também uma altura em que era assim um bocadito de vergonha dizer que se gostava de fado...ok, eu gostava. Mas não dizia. Mas também uma pessoa quando anda a soluçar pelos cantos não dá muito jeito falar. E eu ouvia fado quando tinha coisas para chorar. Ou chorava quando ouvia. Sei lá. Fado sem lágrimas, não era fado que se apresentasse.
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Do Carlos do Carmo, confesso que a paixão maior, não é fado. Chama-se "Estrela da Tarde" e foi a canção du um começo que, quis o destino, como em todos os destinos que se prezem, se transformasse, algumas vezes, muitas vezes, em fado.
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Um dia, muito mais tarde, descobri o fado vadio, amador, a cheirar a tabaco e a vinho tinto que tresandava, urbano, cheio de intelectuais com ou sem pseudos e de vadios com ou sem guarida, de uma ou duas casas de Lisboa.
Na altura, deveria ter alguma das dores de antanho, apesar de já não pensar em matar-me e lembro-me que chorava desalmadamente. Aliás, bastava o primeiro acorde, mesmo que ranfonho, das Tranças Pretas, da Gaivota no Tejo, das Tábuas do meu Caixão ou dos raios que os partam que tanto rimel me estragaram e vinha dilúvio.
...Depois, nasceu o João Pedro e acalmei. Passei a usar o excesso de produção das minhas glandulas lacriminais a cortar cebola para o puré de legumes ou a ver com o meu filho os dramas do Dragon Ball e, por algum tempo, acalmei o Fernando Farinha, o Marceneiro, a Amália e o Carlos do Carmo.
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Já ele grandito e o Dragon Ball arrumado a um canto, apareceu a Mariza, o Camané, o Paulo Bragança e eu continuo a gostar de fado. Já choro menos. Mas também ao tempo que a dor de corno não me dá para pensar em meter as mãos molhadas na tomada da cozinha...
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Etiquetas: Isabel Faria
6Comenta Este Post
A carreira e a corência de Carlos do Carmo , são mais do que suficientes , para achar que se está a embadeirar em arco, com o prémio que pouco representa.
Neste aspecto somos muito pacovios, há algum tempo era a candidatura de Mariza aos Grammys, agora esta coisa a que os espanhóis chamam premios Goya, parece que só reconhecemos a qualidade dos portugueses quando no estranjeiro são reconhecidos, sintoma de inferioridade....por vezes temo que sim....
não comento o que escreveste porque é longo o discurso mas que gosto de Carlos do Carmo lá isso gosto.
Um outro anónimo falou em pacóvio mas pacóvio é aquele que não aceita nada
certamente, mais que merecido!
Parabéns, SENHOR CARLOS DO CARMO!
um excelente embaixador de Portugal
beijos
Anónimo, até podes ter razão...mas pelo meu post, tipo lençol, dá para ver que para mim foi um pretexto.
Ouvia o Carlos do Carmo ainda nem deviam haver espanhóis :)))))
Anónimo, eu sei que tenho esse defeito. Escrevo sempre muito...digamos que poder de sintese não é mesmo o meu forte. Cum caraças...já não devo lá chegar. Acho que está a piorar com a idade!!!
Mas, pronto, ao menos que também gostes do Carlos do Carmo.LOL
Gaivota, por causa de embaixador...um dico ao vivo no Olimpia em que ele canta música portuguesa do Zeca ao Fernando Tordo, passando por todos os outros...tenho ali em LP (e ainda tenho gira-discis e tudo!!!). Há muitos anos que não ouço. Abriste-me o apetite!!
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