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domingo, maio 04, 2008

No dia em que partimos com as aves


Um dia, quando as nossas pernas crescem, deixamos de caber no seu colo.
Um dia, quando as pernas crescem, eles deixam de caber no nosso colo.
Um dia, já não apertamos as rosas e só estamos na moldura. Ou nem isso.
Um dia, eles não apertam mais as rosas e só estão na moldura. Ou nem isso.
Um dia, partimos com as aves e elas não entendem.
Um dia, eles partem com as aves e nós não entendemos.
Mas, mesmo nesse dia, ainda adormecemos nos seus olhos. E eles nos nossos.

"No mais fundo de ti
Eu sei que te traí, mãe.
Tudo porque já não sou
O menino adormecido
No fundo dos teus olhos.
...
Tudo porque ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais.
...
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
São duras, mãe,
E o nosso amor é infeliz.
...
Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.
...
Se soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
...
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
Que todo o meu corpo cresceu,
E até o meu coração
Ficou enorme, mãe!
...
Olha - queres ouvir-me? -
Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;...
...
Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;
...
Ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio do laranjal...
......
Mas - tu sabes - a noite é enorme,
E todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
... ...
Dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo as rosas...
...
Boa noite.
Eu vou com as aves"
Eugénio de Andrade: Poema à mãe
.....

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1Comenta Este Post

At 5/06/2008 8:01 da manhã, Blogger cereja escreveu...

Bom Dia, filha Isabel!
Um poema é a prenda mais linda...

 

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