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quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Guardo-te nos lugares a que pertences. E só neles.

De vez em quando, nos momentos e nos lugares mais inesperados, ele está lá. Há muito que deixou de sonhar com ele. Houve tempos que sim. Estava sempre bem nos sonhos. E, habitualmente, sorria. Foi deixando de sonhar porque nunca se habituou à falta irreversível do seu sorriso, ao acordar. Depois, o tempo encarregou-se do resto.
Mas há vezes que o encontra. Não são sonhos, são encontros mesmo. Lembra-se de um dia o ter encontrado num grafitti de Santos. Outra, numa tasquita de Colares, mesmo ao pé dos bombeiros. Outra, há menos tempo, na Zambujeira, no banco azul da praça ao pé do mar. Hoje encontrou-o no alfarrabista. Há muitos anos, dera-lhe a conhecer aquele livro. Uma edição antiga, amarelenta, de páginas quase apagadas, trouxe-o a ela, por fugazes momentos.
Deixou-o lá. Há muito que o deixa sempre nos lugares onde o encontra. Desde o dia em que entrou em paz com a sua ausência, que ele passou a ficar sempre nos lugares onde ela o encontra.
A dor amainou. A vida seguiu. As páginas dos livros amareleceram. A Praça ao pé do mar mudou e está agora rodeada de cafés barulhentos. Pensa que já não existe a tasquinha ao pé dos bombeiros de Colares. Há muito que não passa por aquela parede de Santos.

No momento em que lhe deixou de fazer falta, começou o verdadeiro caminho que o pode trazer, por curtos instantes, em paz até ela. O caminho da memória em que as perguntas, as dúvidas, a raiva, a mágoa, a saudade deixaram de fazer sentido. Começou a reencontrá-lo no momento preciso em que aceitou, em paz, que ele tivesse querido partir. E hoje, abre o livro de páginas amarelas com um sorriso, folheia-o, volta a colocá-lo na mesa de madeira e sai. Sabe que ele fica bem.

Quando chega à porta de casa, algo ofegante por ter subido a Calçada à pressa, pára por momentos um pouco acima da janela do quarto, ainda há no ar um cheiro de há duas noites, vê o gato a espreitar a janela, a luz da sala acesa... se o tivesse trazido do alfarrabista talvez lhe fosse com lições de moral e de vida do género: se tivesses querido insistir mais um pouco...talvez tivesses aprendido que vale a pena estar cá.
Ainda bem que o deixa sempre nos lugares onde o encontra. Sabe que ele não deve precisar nada de lições de moral ou de vida, no lugar para onde, faz agora 17 anos, decidiu partir à procura de sossego.

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3Comenta Este Post

At 2/13/2009 11:43 da manhã, Blogger Sin escreveu...

Desta vez não vou tentar perceber. Vou-me limitar a apreciar este lindo pedaço de prosa. Adoro ler coisas que me fazem sentir várias coisas ao mesmo tempo. As palavras soam de uma forma que permite imaginar os sítios, as cores, as texturas... É tão bonito!! Mesmo... É nestas alturas que penso que não é preciso perceber para admirar alguma coisa bela.**

 
At 2/13/2009 12:49 da tarde, Blogger Isabel Faria escreveu...

Sin, fala de uma perda. Uma perda irreversível. A prova de que nem sempre o amor chega para vencer a desistência. A prova de que nunca está nas nossa mãos a vida dos outros. Apenas, e já não é tarefa fácil, a nossa. Mas também a prova de que a desistência pode ser uma opção legítima, mas é sempre a pior opção.

E também a prova de que só consegues suportar as perdas quando não desistes dos encontros.

Obrigado pleas tuas palavras.

 
At 2/15/2009 12:58 da tarde, Blogger Sin escreveu...

Era tão bom que o amor bastasse... E custa tanto quando um persiste na luta e outro resolve abandonar o barco... Não é justo. Mas ainda é mais difícil aceitar que a vida não é justa e que temos mais é que aguentar. Obrigada eu por poder ler algo tão bonito.

 

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