Notas sobre o Referendo
Depois dos últimos posts do Leal Franco, em que de uma forma profunda e séria, escreveu sobre os fundamentalismos e as suas consequências no quotidiano que vamos deixando que nos imponham, apetece-me, convidando a todos que ainda não os leram, a dar uma voltinha lá em baixo, retomar a simplicidade que tem para mim, o Referendo o próximo dia 11.
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- Não há uma política de apoio à maternidade em Portugal. Ainda ontem, e bem, Jerónimo de Sousa questionava onde estiveram os defensores do Não, quando no último Código de Trabalho se reduziu a licença de maternidade (ocasião para dizer que o Código de Trabalho é de Bagão Félix, o grande paladino do Não Obrigada).
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- Não há educação sexual nas escolas.
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- As mulheres, numa época de cada vez maior precarização dos vínculos laborais, são impedidas de ter filhos, apesar de muitas vezes o desejarem. Deixam de ser chamadas, pelas empresas de trabalho “extra”, quando estão grávidas. Não lhes renovam os contratos quando estão grávidas. Não podem usar os seus direitos de assistência a filho menor, porque os contratos a prazo têm um prazo e têm um “decisor” único. O prazo não será renovado se o filho “decidir” adoecer, por exemplo. O decisor não o manterá se a mãe ousar querer ou precisar de estar com o seu filho doente, por exemplo (outra ocasião para lembrar onde costumam estar os apoiantes do Não, quando se discute a precariedade e a falta de direitos laborais).
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- Os meios contraceptivos (partindo do princípio que, apesar de não terem acesso a uma educação sexual, que o Estado lhes nega, acabam por os conhecer e usar correctamente) falham.
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- Muitas mulheres, porque não têm meios económicos, porque sabem que perderão os seus empregos, porque sentem que não é a hora de ser mãe, porque sabem que não têm condições emocionais, porque têm outros filhos e sabem que não lhes estão a poder dar o que sabem que eles têm direito e, mais um, ainda virá tornar a missão mais impossível, porque não têm apoio do Estado para os criar, porque vivem num País em que o abono de família ronda os 20 Euros por filho (a propósito, já alguém dos actuais defensores do Não, se insurgiu alguma vez para o facto de o abono de família nem dar para comprar o leite necessário para dar a uma criança?), porque são adolescentes e um filho as impediria de continuarem adolescentes, recorrem à interrupção de uma gravidez.
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- Essas mulheres que não podem ter um filho, nesse dado momento, e a quem o meio contraceptivo falhou, ou a educação sexual que nunca teve “tramou”, recorrem, então, ao aborto clandestino. Se tiverem pouco dinheiro usam o número de telefone da amiga e ficam pelo lugar onde vivem. Se tiverem mais posses, usam os números de telefone dos anúncios dos jornais e vão a Espanha. Possivelmente essa mulheres são católicas. Ou não. Têm fé. Ou não. Sentem-se culpadas. Ou não. Mas sabem que não têm alternativa. E telefonam à amiga. Ou compram o jornal.
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- Destas mulheres algumas ficam com problemas físicos. Outras não. Mas nenhuma delas têm um aconselhamento pré-aborto. Nem um acompanhamento pós-aborto.
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- Algumas dessas mulheres têm ido parar à barra dos tribunais. Outras, visto a sua vida devassada. Outras, obrigadas a fazer testes ginecológicos, para que a Polícia pudesse provar que abortaram.
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- Por nenhuma delas se tentou mudar o Código de Trabalho. Nem Bagão Félix se arrependeu de o ter feito. Nem se exigiu uma educação sexual séria nas escolas.
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- Nenhuma mulher faz um aborto por prazer. Nenhuma mulher o deixou de fazer, por necessidade, porque é clandestino.
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- Todas as mulheres têm o direito a ser mães pela vida toda. Não, apenas, quando estão grávidas. Por isso, todas as mulheres têm o direito a decidir se, num dado momento, podem ser mães pela vida toda.
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- Todas as crianças têm o direito ser desejadas. E amadas. A poderem ter os seus pais quando adoecem. E a poder ter as suas mães consigo quando ainda está na altura do primeiro sorriso.
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O que está em causa, para mim, a 11 de Fevereiro é dar o direito às mulheres de serem mães pela vida toda. E às crianças de virem a ser homens e mulheres pela vida toda.
O que está em causa para mim, é que o aborto deve ser feito em igualdade de condições e em condições igualmente seguras, para todas as mulheres que acharem que a ele deverão recorrer. O que está em causa, para mim, é que o Estado tem a obrigação de criar condições para que uma mulher não tenha que recorrer de novo a um aborto. E para isso tem que a acompanhar e a aconselhar. O resto são questões religiosas. Morais. Secundárias. E a maioria das vezes, hipócritas.
Etiquetas: Isabel Faria
2Comenta Este Post
Claro que todos os pontos são sérios e importantes. Os 3 últimos deviam estar a bold!
a) Nenhuma mulher faz um aborto por prazer
b)Todas as mulheres têm o direito a ser mães pela vida toda. Não, apenas, quando estão grávidas
c)Todas as crianças têm o direito ser desejadas
São pontos que os senhores que defendem o Não, ignoram. Parece que o importante são os 9 meses do «antes», assim que a criança nasce ela que se desenrasque. A mim preocupa-me muito o «depois»
Pois Émièle, o problema é que o Depois nunca preocupou os autodenominados defensores do Antes...
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