Os argumentos do Não - I
À medida que a campanha vai avançando, os argumentos dos defensores do Não vão mudando de tom, mudando de método, mudando de tema. Só numa coisa não mudam. Na culpabilização da mulher. Desde a assassina que mata uma vida, à irresponsável que usará o aborto como quem usa um telemóvel, passando pela oportunista que se aproveita dos nossos impostos. De vez em quando, no tom de acusação surge a nuance do coitadinha. E surge o tal sindroma pós aborto.
Pelo meio vão-se usando mentiras. Convencidos que estão que uma mentira muitas vezes repetida acabará por ser vista como uma verdade. Quando falam no julgamento da Maia, os defensores da prisão, enchem-nos os ouvidos de que as mulheres julgadas estariam grávidas de mais de dez semanas e, portanto, continuariam a ser julgadas e condenadas se a despenalização vencer. À mentira do argumento - não é verdade que as mulheres a quem foi possível apurar o tempo de gravidez, estivessem grávidas de mais de dez semanas, junta-se uma total insensibilidade social e humana.
Uma daquelas mulheres, ganhava na altura em que abortou 21 contos por mês. O aborto custou-lhe 80. Quanto tempo terá precisado uma mulher para arranjar os 60 contos que lhe faltavam para interromper a gravidez que não podia ou queria ter?
Ainda hoje, um aborto feito em Portugal, em condições de saúde e de segurança satisfatórias, custa mais de 1000 Euros. Quantos meses precisa uma mulher, como as que foram julgadas na Maia, cozinheira, desempregada, empregada de limpeza, empregada do comércio, precária, para conseguir juntar os 1000 Euros necessários para fazer um aborto clandestino mas com alguma segurança?
Como dizia esta tarde Isabel do Carmo, as mulheres com aquilo que os defensores da prisão, chamam de "sindroma pós aborto" que recorrem aos serviços médicos, são as mulheres que não suportam o peso da clandestinidade, o medo das consequências físicas e, eu juntaria, as sequelas das dívidas que têm que contrair, a prespectiva dos meses que se seguem e em que o dinheiro dos salários servirá para as honrar, as dúvidas sobre como pagar a casa ou comprar comida para os filhos.
Os argumentos do Não, não são só de um desconhecimento total da mulher. Da vida. São de um egoísmo constrangedor.
Juntam ao desconhecimento de que qualquer mulher que opte por interromper uma gravidez o pretenderá fazer o mais rápido possível, por razões emocionais, porque é mais seguro, porque ninguém adia um momento sempre doloroso, por opção e por prazer, a incapaciade de se conseguir colocar na pele de quem vive mensalmente com o salário mínimo. Ou sem nenhum.
Não é verdade que com a alteração da Lei as mulheres continuem a ser julgadas. Porque nenhuma mulher aguardará pelas onze semanas de gestação, se puder abortar em segurança e em dignidade às nove. Há que dizer claramente a esses senhores que não somos masoquistas. Nem irresponsáveis. Nem cretinas.
Etiquetas: Isabel Faria
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Mas não dá argumentar com argumentos racionais quando eles fazem apelo aos sentimentos mais básicos. Ao medo, ao castigo, ao papão.
São dois discursos tão diferentes que parece que se falam duas línguas!
Joaninha e à mentira.Quantas vezes te disseram que as mulheres da Maia, tinham muito mais que 10 semanas de gravidez? E quantas vezes essa mentira é usada para dizer que não vale a pena mudar a Lei, porque somos todas uma cambada de irresponsáveis?
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