Negros tempos
Ao ler o último post do Leal Franco, creio que todos os que já passaram por qualquer ORT (Organização Representativa dos Trabalhadores) numa empresa, não podem deixar de associar a muitos dos momentos que diariamente lá se vive, sobretudo nos últimos tempos, a um de dois estados de espírito: un cansaço enorme, tal qual andassemos diariamente num constante e ininterrupto combate de box – mas não boxe a sério, sem batotas, daquele em que um fica KO, e qualquer um pode ficar KO, e a partida acaba. Não, boxe sempre viciado, em que o derrotado é sempre anteriormente conhecido, sendo que para não ser definitivo e se manter a dignidade, exige uma enorme disponibilidade e um constante golpe de rins.
Ou uma frustração enorme, porque nem sequer as Leis, cada vez mais criadoras de injustiças e de desigualdades, são cumpridas (coisa estranha e amarga esta, a de passarmos dias e dias da nossa vida a exigir o cumprimento de uma Lei que combatemos...).
Porque entre os nossos colegas há colegas de 1ª (por imposição das alterações às leis de trabalho e por pressão das entidades patronais, cada vez menos de 1ª), os que ainda restam do tempo em que as empresas ainda aceitavam que o trabalho também fosse uma carreira, os de 2ª, contratados a prazo, sem saberem o dia a seguir ao contrato, com a vida a prazo de 3, de 6 ou de 12 meses, sem criarem raízes, sem poderem criar futuro e os outros...os de uma categoria que nem categoria é. Os pau para toda a obra. Os das empresas de outsourcing, os extras (nome duro e aviltante este), sem horários, a ganhar menos que o ordenado minimo, com a justificação de que trabalham menos que oito horas...trabalhando as horas por dia que as empresas que os contratam decidem e que as empresas que contratam as empresas que os contratam exigem.
E uma frustração ainda, e porque não confessá-lo, porque muitas vezes nos sentimos sozinhos nos cornos dos bois todos e nos falta forças para fazer pegas como antigamente...
As empresas sabem que vivem muito melhor sem trabalhadores...primeiro contratam, pois, escravos, depois chamam-lhes colaboradores a ver se pega, finalmente tentam isolar, afastar, vencer as résteas de resistência que a vida, o empréstimo da casa e mais os outros todos, e o desencato e o cansaço, apesar de tudo, ainda não apagaram. Sabem que nestes e, porque foi para isso que os trabalhadores lá os colocaram, as ORTs e nomeadamente as Comissões de Trabalhadores, são alvos a abater. Primeiro, tentam-se comprar, a seguir tentam-se isolar, a seguir tentam-se ignorar, finalmente tentam-se vencer pelo desgaste. A ordem até pode não ser esta, as etapas são estas.
E um dia, um trabalhador que não conseguimos ajudar, perde as suas maiores batalhas - a da dignidade ou a da vida (ou ambas, em diferentes mais ou menos próximos momentos), e é um enorme sentimento de derrota que nos assola.
Não somos vitimas. Estamos aqui por opção e por opção consciente. Mas reconheçamos que muitas noites, ao adormecer ou de manhã, quando temos que recomeçar o combate de boxe de novo, não deverá haver nenhum trabalhador que, numa empresa, represente trabalhadores que não se questione: valerá a pena?
Felizmente que muitos de nós ainda vamos vencendo a pergunta. E o KO é um KO do qual nos levantamos sempre. Ou quase sempre, para ser realista.
As empresas sabem que vivem muito melhor sem trabalhadores...primeiro contratam, pois, escravos, depois chamam-lhes colaboradores a ver se pega, finalmente tentam isolar, afastar, vencer as résteas de resistência que a vida, o empréstimo da casa e mais os outros todos, e o desencato e o cansaço, apesar de tudo, ainda não apagaram. Sabem que nestes e, porque foi para isso que os trabalhadores lá os colocaram, as ORTs e nomeadamente as Comissões de Trabalhadores, são alvos a abater. Primeiro, tentam-se comprar, a seguir tentam-se isolar, a seguir tentam-se ignorar, finalmente tentam-se vencer pelo desgaste. A ordem até pode não ser esta, as etapas são estas.
E um dia, um trabalhador que não conseguimos ajudar, perde as suas maiores batalhas - a da dignidade ou a da vida (ou ambas, em diferentes mais ou menos próximos momentos), e é um enorme sentimento de derrota que nos assola.
Não somos vitimas. Estamos aqui por opção e por opção consciente. Mas reconheçamos que muitas noites, ao adormecer ou de manhã, quando temos que recomeçar o combate de boxe de novo, não deverá haver nenhum trabalhador que, numa empresa, represente trabalhadores que não se questione: valerá a pena?
Felizmente que muitos de nós ainda vamos vencendo a pergunta. E o KO é um KO do qual nos levantamos sempre. Ou quase sempre, para ser realista.
Etiquetas: Isabel Faria
12Comenta Este Post
porque este blog chama-se "troll-urbano"?
podem explicar?
Arménio, só numa tentativa de entender o seu raciocínio (as suas intenções, sinceramente, não me preocupam muito), essa pergunta vem a propósito de quê, num post que fala da selva em que as nossas empresas se teimam em tornar?
Ou eu escrevo assim tão mal que você não entendeu sobre o que era o post
Isabel, só quem nunca esteve numa ORT é que não pode compreender este post.
De qualquer forma de facto é o paradoxo de combatermos algo que temos de usar no dia a dia e muitas vezes agarrar-mo-nos a ele. ~
Poderá haver quem digaque este é o maior paradoxo do sindicalismo ou activismo. Lutar para mudar e transformar se no entanto poderes abdicar das ferramentas do sistema.
sem no entanto poderes abdicar das ferramentas do sistema.
Assim está correcto
Seria muito importante mesmo, arranjarmos um bom texto sobre o assunto
conheço bem esta realidade - melhor do q julgam.
perguntei por perguntar. ha um post indicado para perguntar o pq do nome?
Pelo menos vales a pena, e de certeza outros tambem há. Mas a dureza que não saiba adivinha!
Um pedido a arménio:por favor continuo os teus comentários. Trazes aqui um pingo de frescura e de humor queirosiano que tanto faltavam.Mas por favor explica porque te chamas arménio (Não acredito que escondas o teu nome ).
Armémio, como calcula não faço mesmo ideia do conhecimento que você tem ou não tem sobre o assunto do post. Tendo, espero que seja um dos que como eu, e apesar de muitos KOs ainda nos levantamos sempre, apesar de com algumas mazelas, pensos rápidos, nódoas negras e olhos inchados.
O Troll "nasceu" antes de mim no Troll. Encontra a história do Troll no 1º post feito no 1º dia. SE entrar no Museu do Troll que o leva ao primeiro post, lá encontra a explicação.
Pela minha parte gosto do nome...muito. E quando um dia descobri a imagem do amarelo de Lisboa que usamos no template, ticvemos a certeza que o Troll...nunca poderia chamar-se ou ter-se chamado algo de diferente.
FJ, vale a pena? Sim vale. Mas não está nada fácil.Nestes últimos tempos devo sair de lá com o ar do Mickey Rourke no último filme que ainda não vi e não me lembro o nome...mas cujas imagens correm pelo Google...acho que se parece algo comigo.
FJ, vale a pena? Sim vale. Mas não está nada fácil.Nestes últimos tempos devo sair de lá com o ar do Mickey Rourke no último filme que ainda não vi e não me lembro o nome...mas cujas imagens correm pelo Google...acho que se parece algo comigo.
Daniel, pois essa é a questão. Para quem acreditou na Revolução amanhã...ter que lutar pela aplicação do Código de Trabalho do Bagão, pois a ausência disso é a selva, é duro.
Leal, mãos à obra...temos material que chegue. Basta um bocadito de tempo e de disponibilidade.
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