O que foi dito ontem não vale hoje
Desculpem-me lá mas alguém consegue encontrar alguma semelhança entre este artigo publicado em 28 de Outubro e este outro publicado hoje?
E querem que os levemos a sério? Não me façam rir. Só não vendem a alma ao diabo porque eles são o diabo. Em carne e osso.
E querem que os levemos a sério? Não me façam rir. Só não vendem a alma ao diabo porque eles são o diabo. Em carne e osso.
Etiquetas: Daniel Arruda
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Já reparaste Daniel na coincidência interessantíssima do nome do jornal da Igreja e do nome do jornal do comunismo oficial soviético?
Parece-nos que é a verdade a que temos direito
Perante a corja de biltres que comanda a Igreja Católica portuguesa, José Policarpo, quer pela sua sensatez, clarividência, e até inteligência, faz figura de grande senhor.
Só que a pressão dos fanáticos é tão grande, que o homem infelizmente entra em contradições, que não seriam de esperar da sua parte.
Ontem dizia que em 30 anos nenhuma mulher tinha sido presa, julgamentos, e devassa da vida na praça pública ,para ele não conta.
Mas não deixava de apelar ao bom senso dos juizes, e num apelo directo á Judiciária, pedia que não dessem perioridade á investigação dos casos de aborto clandestino.
Em suma a José Policarpo , como a todos os cidadãos sensatos, repugna a possibilidade de verem presas mulheres ,por decidirem interromper uma gravidez indesejada, só que não são, ou não quertem ser coerentes , e não percebem que só mudando a actual lei isso será possivel, e coerentemente votarem SIM .
Aliás a Igreja Católica volta aos tempos da inquisição com estas posições, querem resolver um problema de consciência, como é a interrupção voluntária da gravidez, com penalizações,e recurso a tribunais seculares.
Os problemas de consciência são do foro intimo de cada um , e é perante os seus valores, os seus principios éticos, ou religiosos, que uma mulher decidirá se quer abortar ou não, a Igreja ao fazer apelo a medidas REPRESSIVAS de tribunais seculares, é abdicar do seu papel, ou pior, é tentar criminalizar o que não pode ser criminalizado.
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Já anteriormente aqui tinhamos deixado expresso que não publicariamos posts assinados por alguém usurpando a identidade de alguém. Como nos parece claro que Jesus Cristo não passou pelo Troll a deixar metros de trnscrições de textos de outrém, o anterior comentário foi apagado.
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
António Oliveira (ex.Jesus Cristo) se queiser resumir os 59.653 cacacreteres que acabou de publicar, em palavras suas, publcarei o seu comentário. De outra forma, creio que qualquer um compreenderá qe ninguém lê um comentário de 10 219 palavras, não originais, repescadas de discursos de Papas e de publicações oficiais da Igreja. Como o António Oliveira (ex Jesus Cristo) entenderá o Troll Urbano não é um orgão oficial ou oficioso da ICAR.
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Tsunami: as palavras de João Paulo II
Tommaso Onofri: a reflexão da Ação Católica
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o significado da primeira Encíclica de Bento XVI
Jesus ao centro da história: o programa de todo o pontificado de João Paulo II
“Mesmo se uma mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a resposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos no Verano. Durante o conflito mundial, o exemplo de grandes santos mártires, entre os quais o padre Maximiliano Kolbe
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
As duas visitas de João Paulo II à Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Tsunami: as palavras de João Paulo II
Tommaso Onofri: a reflexão da Ação Católica
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o significado da primeira Encíclica de Bento XVI
Jesus ao centro da história: o programa de todo o pontificado de João Paulo II
“Mesmo se uma mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a resposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos no Verano. Durante o conflito mundial, o exemplo de grandes santos mártires, entre os quais o padre Maximiliano Kolbe
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
As duas visitas de João Paulo II à Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Tsunami: as palavras de João Paulo II
Tommaso Onofri: a reflexão da Ação Católica
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o significado da primeira Encíclica de Bento XVI
Jesus ao centro da história: o programa de todo o pontificado de João Paulo II
“Mesmo se uma mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a resposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos no Verano. Durante o conflito mundial, o exemplo de grandes santos mártires, entre os quais o padre Maximiliano Kolbe
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
As duas visitas de João Paulo II à Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
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JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
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Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
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A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
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JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Tsunami: as palavras de João Paulo II
Tommaso Onofri: a reflexão da Ação Católica
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o significado da primeira Encíclica de Bento XVI
Jesus ao centro da história: o programa de todo o pontificado de João Paulo II
“Mesmo se uma mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a resposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos no Verano. Durante o conflito mundial, o exemplo de grandes santos mártires, entre os quais o padre Maximiliano Kolbe
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
As duas visitas de João Paulo II à Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Tsunami: as palavras de João Paulo II
Tommaso Onofri: a reflexão da Ação Católica
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o significado da primeira Encíclica de Bento XVI
Jesus ao centro da história: o programa de todo o pontificado de João Paulo II
“Mesmo se uma mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a resposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos no Verano. Durante o conflito mundial, o exemplo de grandes santos mártires, entre os quais o padre Maximiliano Kolbe
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
As duas visitas de João Paulo II à Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Tsunami: as palavras de João Paulo II
Tommaso Onofri: a reflexão da Ação Católica
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o significado da primeira Encíclica de Bento XVI
Jesus ao centro da história: o programa de todo o pontificado de João Paulo II
“Mesmo se uma mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a resposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos no Verano. Durante o conflito mundial, o exemplo de grandes santos mártires, entre os quais o padre Maximiliano Kolbe
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
As duas visitas de João Paulo II à Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Tsunami: as palavras de João Paulo II
Tommaso Onofri: a reflexão da Ação Católica
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o significado da primeira Encíclica de Bento XVI
Jesus ao centro da história: o programa de todo o pontificado de João Paulo II
“Mesmo se uma mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a resposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos no Verano. Durante o conflito mundial, o exemplo de grandes santos mártires, entre os quais o padre Maximiliano Kolbe
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
As duas visitas de João Paulo II à Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Tsunami: as palavras de João Paulo II
Tommaso Onofri: a reflexão da Ação Católica
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o significado da primeira Encíclica de Bento XVI
Jesus ao centro da história: o programa de todo o pontificado de João Paulo II
“Mesmo se uma mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a resposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos no Verano. Durante o conflito mundial, o exemplo de grandes santos mártires, entre os quais o padre Maximiliano Kolbe
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
As duas visitas de João Paulo II à Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Tsunami: as palavras de João Paulo II
Tommaso Onofri: a reflexão da Ação Católica
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o significado da primeira Encíclica de Bento XVI
Jesus ao centro da história: o programa de todo o pontificado de João Paulo II
“Mesmo se uma mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a resposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos no Verano. Durante o conflito mundial, o exemplo de grandes santos mártires, entre os quais o padre Maximiliano Kolbe
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
As duas visitas de João Paulo II à Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Tsunami: as palavras de João Paulo II
Tommaso Onofri: a reflexão da Ação Católica
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o significado da primeira Encíclica de Bento XVI
Jesus ao centro da história: o programa de todo o pontificado de João Paulo II
“Mesmo se uma mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a resposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos no Verano. Durante o conflito mundial, o exemplo de grandes santos mártires, entre os quais o padre Maximiliano Kolbe
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
As duas visitas de João Paulo II à Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
O nosso desocupa de serviço esta noite que começou por publicar aqueles milhares de palavras em nome de Jesus Cristo e depoid alterar para António de Oliveira, presumo que em homenagem a um dos seus possíevis menores, voltou a publicar as tais milhares uma dúzia de vezes...como, de facto, tenho mais que fazer e a um maluco não se deve negar nada, ficam aqui algumas para nos divertirmos um pouco. E para vermos que o Troll foi mesmo invadido por uma chuva de coitadinhos. Que seja pela reddençao dos nossos pecados. Amen.
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
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JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
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“Mesmo se uma mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a resposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
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A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
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JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos no Verano. Durante o conflito mundial, o exemplo de grandes santos mártires, entre os quais o padre Maximiliano Kolbe
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JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Tsunami: as palavras de João Paulo II
Tommaso Onofri: a reflexão da Ação Católica
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o significado da primeira Encíclica de Bento XVI
Jesus ao centro da história: o programa de todo o pontificado de João Paulo II
“Mesmo se uma mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a resposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos no Verano. Durante o conflito mundial, o exemplo de grandes santos mártires, entre os quais o padre Maximiliano Kolbe
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
As duas visitas de João Paulo II à Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Tsunami: as palavras de João Paulo II
Tommaso Onofri: a reflexão da Ação Católica
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o significado da primeira Encíclica de Bento XVI
Jesus ao centro da história: o programa de todo o pontificado de João Paulo II
“Mesmo se uma mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a resposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos no Verano. Durante o conflito mundial, o exemplo de grandes santos mártires, entre os quais o padre Maximiliano Kolbe
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
As duas visitas de João Paulo II à Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Tsunami: as palavras de João Paulo II
Tommaso Onofri: a reflexão da Ação Católica
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o significado da primeira Encíclica de Bento XVI
Jesus ao centro da história: o programa de todo o pontificado de João Paulo II
“Mesmo se uma mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a resposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos no Verano. Durante o conflito mundial, o exemplo de grandes santos mártires, entre os quais o padre Maximiliano Kolbe
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
As duas visitas de João Paulo II à Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Tsunami: as palavras de João Paulo II
Tommaso Onofri: a reflexão da Ação Católica
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o significado da primeira Encíclica de Bento XVI
Jesus ao centro da história: o programa de todo o pontificado de João Paulo II
“Mesmo se uma mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a resposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos no Verano. Durante o conflito mundial, o exemplo de grandes santos mártires, entre os quais o padre Maximiliano Kolbe
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
As duas visitas de João Paulo II à Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Tsunami: as palavras de João Paulo II
Tommaso Onofri: a reflexão da Ação Católica
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o significado da primeira Encíclica de Bento XVI
Jesus ao centro da história: o programa de todo o pontificado de João Paulo II
“Mesmo se uma mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a resposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos no Verano. Durante o conflito mundial, o exemplo de grandes santos mártires, entre os quais o padre Maximiliano Kolbe
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
As duas visitas de João Paulo II à Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Tsunami: as palavras de João Paulo II
Tommaso Onofri: a reflexão da Ação Católica
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o significado da primeira Encíclica de Bento XVI
Jesus ao centro da história: o programa de todo o pontificado de João Paulo II
“Mesmo se uma mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a resposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos no Verano. Durante o conflito mundial, o exemplo de grandes santos mártires, entre os quais o padre Maximiliano Kolbe
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
As duas visitas de João Paulo II à Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Tsunami: as palavras de João Paulo II
Tommaso Onofri: a reflexão da Ação Católica
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o significado da primeira Encíclica de Bento XVI
Jesus ao centro da história: o programa de todo o pontificado de João Paulo II
“Mesmo se uma mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a resposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos no Verano. Durante o conflito mundial, o exemplo de grandes santos mártires, entre os quais o padre Maximiliano Kolbe
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
As duas visitas de João Paulo II à Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
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JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
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Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
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A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
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JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA
“Jesus é o Senhor da história”. Que significa esta afirmação? Que significa dizer que Jesus Cristo é o senhor da história, do mundo, da humanidade, Ele que após três anos de anúncio do Evangelho é misteriosamente morto na cruz? Ele que nos últimos instantes de vida foi abandonado mesmo por seus amigos? Ele que não quis eliminar a dor, o sofrimento do mundo, mas, antes, teve de viver esta mesma dor totalmente, até o fundo, até o fim?
Não é uma contradição? Não é contraditório afirmar o senhorio de um homem que, embora se dizendo Deus, foi morto e vilipendiado pelo mundo? E depois, se Ele é Deus, por que não elimina o mal, a dor, o cansaço, o sofrimento? Porque deveria ser Senhor se ainda hoje crianças inocentes são mortas nas mãos de criminosos? Se milhões de pessoas ainda hoje caem vítimas da fome, da miséria e da indigência naquele que chamamos “o Sul do mundo”? Se uma inteira região pode ser varrida por um desastre natural como o que se deu há mais de um ano na terrível experiência do tsunami no sudeste asiático? Se há pouco mais de meio século o mundo se auto-destruiu naquela que foi tida como a última grande e devastadora guerra mundial? Se ainda hoje outras guerras varrem inteiras populações na África, um continente sempre mais em crise e incapaz de resolver as infinitas contradições ínsitas no seu interior? Se as religiões são ainda ― e sublinhando “ainda” ― usadas como justificação para aniquilar quem é tido como inimigo, quem pensa em modo diverso, ou simplesmente quem é diverso? E depois, e é esta talvez a grande interrogação acima de tudo pertinente hoje: como se pode dizer que Jesus Cristo é o Senhor da história se um pequeno menino de nome Tommaso é raptado e depois barbaramente assassinado, ele inocente e sem culpa?
Neste Especial buscamos responder a estas interrogações. E por isto, não podemos fazer outra coisa senão tentar dizer o que significa realmente “o senhorio de Cristo”. Pois é somente entendendo, compreendendo o seu senhorio que podemos de algum modo aprender a estar dentro das contradições, dentro do sofrimento, como fez Cristo há mais de dois mil anos. Ele, que não obstante fosse Deus, viveu até o fundo o mal do mundo, o assumiu em si, sobre si, quis ser homem como todos os homens e tornar-se também Ele vítima inocente para a salvação de todos. Ao mal, enfim ― e é este o significado do senhorio de Cristo que logo iremos desvelar ―, mesmo que pareça não haver uma resposta racional, há uma resposta. E é aquela que dá Cristo: «Homem ― parece dizer Cristo ―, eu não vim para eliminar o mal, mas para vivê-lo e para dizer-te que o mal pode ser vivido como oferta a Deus, pode ser vivido por Deus para que Ele o utilize para o bem do mundo. Eu, homem, fiz assim. Aceitei sofrer como ti a fim que o meu sofrimento fosse usado por Deus para salvar o mundo. Sofri e foi justamente no momento de maior sofrimento que mostrei ao mundo a minha realeza, a de um Deus que prefere abaixar-se por amor, ao invés de impor-se, fazer-se último ao invés de pôr-se em primeiro. É assim que sou o Senhor, pois sou, oh homem, teu servo. A dor, o mal, o sofrimento são misteriosamente parte deste mundo. Mas no mundo a dor pode ser vivida como oferta de amor e é aqui que eu fui Senhor, porque morrendo por ti demonstrei possuir realmente todas as coisas porque todas as coisas levei a Deus, todas as coisas eu salvei, e toda a minha dor ofereci às mãos do Pai».
Neste Especial, tentaremos mostrar este senhorio de Cristo sobre o mundo, deixando falar algumas pessoas que hoje tentaram dizer, apresentar a sua visão. Portanto desejamos oferecer uma panorâmica histórica que cobre o longo período que vai do pontificado de Bento XV àquele hoje em andamento de Bento XVI, buscando descobrir como os vários Pontífices falaram sobre o senhorio de Cristo. «Jesus é Senhor da história» escreveu João Paulo II na sua primeira Encíclica, a Redemptor hominis. E ele, em todo o seu pontificado, não deixou jamais de falar ao homem de Cristo como príncipe e Senhor do mundo. O seu senhorio é um senhorio de amor que não desdenha abaixar-se e fazer-se último para vir ao encontro das misérias e do sofrimento humanos. João Paulo II mostrou bem este senhorio de Cristo não somente com palavras, mas também com fatos, com a aceitação heróica do sofrimento e da doença física nos últimos anos da sua vida. Ele foi o Pontífice que falou de Cristo Senhor da história em Bangladesh, entre os últimos da terra. Mas também na Nicarágua, entre os sandinista a ele hostis, ou ainda entre as favelas brasileiras. Ele falou da salvação que vêm única e exclusivamente de Cristo aos líderes populares, aos governantes, e também aos ditadores das várias ideologias do século XX, as quais, tentando salvar o homem sem Deus, não fizeram senão assassinar o homem, embora não conseguindo assassinar Deus.
Mas em todo o século XX até hoje, aurora do terceiro milênio, a voz dos vários Pontífices foi farol seguro para a vida e a fé de milhões de pessoas. Embora em terras abatidas por atrozes sofrimentos ou recobertas de bem-estar e opulência, em todo e qualquer lugar a Igreja, graça aos sucessores de Pedro, recordou sempre quem é o verdadeiro Salvador e Libertador do homem e do mundo. A voz dos vários Pontífices jamais se cansou de falar, e esta breve panorâmica deseja ser uma homenagem a eles, à sua incansável voz, e, ao mesmo tempo, a todas aquelas pessoas (pensamos nos missionários, nos sacerdotes, nos religiosas, mas também em tantos e tantos simples fiéis) que tiveram a inteligência de escutá-la.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Tsunami: as palavras de João Paulo II
Tommaso Onofri: a reflexão da Ação Católica
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o significado da primeira Encíclica de Bento XVI
Jesus ao centro da história: o programa de todo o pontificado de João Paulo II
“Mesmo se uma mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a resposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus, ou a proposta de Paulo VI e João XXVIII para o desenvolvimento dos povos
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
A Igreja tem o direito e mesmo o dever de dirigir-se com as próprias opiniões à vida social, política e econômica de um País, afirmou Pio XI
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos no Verano. Durante o conflito mundial, o exemplo de grandes santos mártires, entre os quais o padre Maximiliano Kolbe
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
As duas visitas de João Paulo II à Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA NAS TRAGÉDIAS HUMANAS
O preço pago por Cristo: entrevista com Chiara Lubich
Roma (Agência Fides) – “Jesus é Senhor da história”: sobre este tema falamos com Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolari.
Jesus é Senhor da história não obstante tenha morrido na cruz?
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Mais eloqüentes que um tratado, estas palavras de Jesus revelam o segredo da vida. Não há alegria de Jesus sem dor amada. Não há ressurreição sem morte. Jesus aqui fala de si, explica o significado da sua existência. A sua morte será dolorosa, humilhante. Por que morrer, logo Ele que se proclamara a Vida? Por que sofrer, Ele que era inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, zombado, pregado sobre uma cruz; o fim mais infame? E, sobretudo, por que Ele, que viveu na união constante com Deus, se sentirá abandonado por seu Pai? Mesmo a ele a morte causou medo; mas esta terá um sentido: a Ressurreição. Tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos, para romper toda barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas há um preço a pagar: para atrair todos a si deverá ser elevado sobre a terra, sobre a cruz. E eis a parábola, a mais bela de todo o Evangelho: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. É Ele aquele grão de trigo».
Como podemos nós cristãos contribuir para tornar visível no mundo a senhoria de Cristo sobre a história?
Neste tempo de Páscoa Ele se mostra a nós do alto da sua cruz, seu martírio e sua glória, no sinal de amor extremo. Ali doou tudo: o perdão aos carnífices, o Paraíso ao ladrão, a nós a mãe e o seu corpo e o seu sangue, a sua vida, até gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Escrevia em 1944: “Sabe que tudo nos doou? Que mais podia nos dar um Deus que, por amor, parece esquecer-se de ser Deus: gerou um povo novo, uma nova criação. No dia de Pentecoste o grão de trigo caído por terra e já morto florescia em espiga fecunda: três mil pessoas, de todos os povos e nações, tornam-se “um só coração e uma só alma”, depois cinco mil, depois…
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muitos frutos”. Esta Palavra dá sentido também às nossas vidas, ao nosso sofrimento, e, um dia, à nossa morte.
A fraternidade universal pela qual queremos viver, a paz, a unidade que queremos construir à nossa volta, é um vago sonho, uma quimera se não estamos dispostos a percorrer a mesma via traçada pelo Mestre”.
Que significa, no quotidiano, seguir a via traçada pelo Mestre para dar com Ele “muito fruto”?
Ele compartilhou tudo que é nosso. Assumiu nossos sofrimentos. Fez-se conosco trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, o ser órfão… Em uma palavra, fez-se “um conosco”, carregando-se de tudo o que nos pesava. Assim nós, apaixonados por este Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo de Lhe dizer o quanto somos imensamente gratos pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E eis por nossa vez “próximos” daqueles que passam ao nosso lado na vida, desejando estar prontos a “fazer-nos um” com eles, a assumir a desunião, a compartilhar uma dor, a resolver um problema, com um amor concreto feito serviço. Jesus, no abandono, deu-se inteiro; na espiritualidade que se concentra nele, Jesus ressucitado deve resplender plenamente e a alegria deve dar testemunho».
Tsunami: as palavras de João Paulo II
No primeiro domingo de 2005, João Paulo II falou da esperança do Natal, mais forte, a seu ver, que as dificuldades nas quais se encontra imersa a vida de cada homem. São dias tristes em todo o mundo, turbados pela violência da natureza que varreu a vida de milhares de homens no sudeste asiático. São dias de dor também para o Papa que, não obstante a tragédia e a morte, consegue olhar além e, com poucas palavras, ir ao âmago da questão.
Onde estava Deus quando milhares de pessoas eram aniquiladas pela violência avassaladora do tsunami? Esta é a pergunta que está por trás das palavras pronunciadas por João Paulo II no discurso lido antes da recita do Angelus. Uma pergunta que todos os homens, crentes ou não, puseram-se nestes terríveis dias de dor, uma pergunta à qual a Igreja não se pode negar a responder. O Papa quis tomar a peito a questão e, já nas palavras iniciais, tentou dar uma resposta ao quesito. Antes de tudo, disse o Papa, «neste primeiro domingo do novo ano ressoa novamente a liturgia do Evangelho do dia de Natal: o Verbo fez-se carne e habitou em meio a nós». Eis, então, por onde começar a olhar os terríveis fatos daqueles dias: da presença feita de carne e sangue de Deus que um dia, dois mil anos atrás, habitou próximo ao homem. Próximo como pode ser um amigo que habita no portão ao lado ou no condomínio contíguo ao nosso.
«O verbo de Deus ― prosseguiu o Papa ― é a Sapiência eterna, que age no cosmos e na história; Sapiência que no mistério da Encarnação revelou-se plenamente, para instaurar um reino de vida, de amor e de paz». Eis então porque o Filho de Deus veio habitar próximo ao homem: para instaurar, ele que é a Sabedoria eterna, um reino de vida, amor e paz. Mas onde estão esta vida, este amor e esta paz? Como pode Deus dizer que quer o bem enquanto centenas de crianças morrem trucidadas em um asilo de Beslan, se milhares de inocentes morrem pela violência de uma onda destruidora? «A fé ― reafirma o Papa ― nos ensina que mesmo nas provas mais difíceis e dolorosas, como nas calamidades que atingiram estes dias o sudeste asiático, Deus não nos abandona jamais: no mistério de Natal veio para compartilhar a nossa existência». Uma resposta que somente aparentemente parece fazer alusão à pergunta, mas que, em verdade, dá uma resposta plena e profunda, porque ressalta a proximidade de Deus ao homem, uma proximidade tornada evidente pela Encarnação de Cristo, uma proximidade que não teve a pretensão de eliminar a dor e o sofrimento do mundo, mas quis assumi-la sobre si, até o fundo, até o cálice tremendo da cruz bebido a plenos goles por Cristo por amor de todos os homens.
O mesmo Papa, com o sofrimento físico da sua doença, por anos falou da presença de Cristo dentro de todo sofrimento, uma presença que é companheira do homem nas circunstâncias mais adversas e terríveis. Certo, é a fé que ensina o homem esta verdade e é somente com o olhar da fé que esta verdade pode ser descoberta em toda a sua força e potência.
Jesus é aquele que morrendo deixou aos homens o mandamento de amarem-se uns aos outros como Ele nos amou. «É na atuação concreta deste seu mandamento que Ele manifesta a sua presença», disse ainda o Papa. «Esta mensagem evangélica dá fundamento à esperança de um mundo melhor com a condição de que caminhemos no seu amor. Ao início de um novo ano, ajuda-nos Mãe do Senhor a fazer nosso este programa de vida».
Tommaso Onori: a reflexão da Ação Católica
Nos dias sucessivos ao resgate do corpo sem vida do pequeno Tommaso Onofri, a Ação Católica corajosamente decide falar do acontecido e relata as palavras de Bento XVI, o qual, diante do sangue derramado de um pequeno inocente, pediu orações por aqueles que caíram e aqueles que caem todos os dias vítimas de violência. Diante do derramamento de sangue inocente, em suma, o Cristianismo apresenta o seu Deus, também ali abatido como vítima inocente, ao qual apelar com confiança embora dentro do desespero. «Neste amargo fim de semana ― explicam os responsáveis pela AC ―, após cerca de um mês de angústia e trepidação, recebemos com profunda tristeza a trágica conclusão do seqüestro do pequeno Tommaso Onofri. Desde o primeiro dia do seu misterioso desaparecimento nos interrogamos por mais de uma vez sobre as razões e os motivos de um símile seqüestro. Seguramente nos perguntamos igualmente, enquanto a crônica relatava os indícios e as hipóteses do inquérito, quais motivações teriam podido levar alguém a arrancar uma criança tão pequena e doente como o pequeno “Tommy” do afeto dos pais e de seu irmãozinho. Todavia o tempo transcorrido é inexorável, mesclando em cada um de nós sentimentos por vezes contrastantes: medo, preocupação, indignação, mas também esperança, oração e confiança. Ao fim chegou a notícia que jamais quereríamos ter sentido: Tommaso, embora tão pequeno e indefeso, foi mesmo assim assassinado.
As modalidades e razões que provocaram este insano homicídio tornam ainda mais difícil assimilar e aceitar uma tal verdade. É aqui que nos perguntamos que sentido pode ter e porque tudo isto aconteceu. Como leigos cristãos que vivem a própria fé através da experiência da Ação Católica, sabemos que o Senhor nos chama a enfrentar com coragem o mal que frequentemente atormenta o mundo e a nossa existência. O mal, mesmo o mais duro de se aceitar, não pode certamente apagar aquela esperança que, no entanto, nos incita a não desesperarmos jamais da infinita misericórdia de Deus para com a nossa pobreza e os nossos limites.
Neste momento grande parte do nosso País se encontra profundamente turbado por estes terríveis acontecimentos que nos perturbam e nos convidam a refletir. Durante estes trinta dias “Tommy” foi o filho, o irmãozinho, o netinho de cada um de nós. Nestas horas de compreensível desconforto, o Santo Padre incitou cada fiel à oração por Tommaso e por todas as pequenas vítimas da violência e da perversidade humana. Unimo-nos também nós ao apelo de Bento XVI e cremos que não seja justo deixar que a história de Tommaso passe sem ter legado às nossas consciências um ensinamento importante: a vida, sobretudo aquela dos menores, é um dom precioso que vem de Deus e deve ser defendido sempre. Esperamos que a morte de “Tommy”, a somente dezoito meses de seu nascimento, tenha tido um sentido, e que também a nossa humanidade não se manche mais de símiles atrocidades».
Don Andrea Santoro: “Queria somente percorrer os caminhos de Cristo”
Don Andrea Santoro, sacerdote romano em missão na Turquia, foi assassinado em 5 de fevereiro passado enquanto rezava na sua igreja em Trebisonda. Havia ido à Turquia para levar o anúncio do Evangelho de Cristo a todas as populações do País, consciente das diversas religiões, culturas e tradições ali presentes. Não queria impor o próprio credo aos outros, mas simplesmente mostrar como o senhorio do Deus no qual acreditava ― o Deus de Jesus Cristo ― fosse um senhorio de amor, que se dobra diante de todo homem e o ama assim como ele é. «Don Andrea ― explicou Maddalena Santoro, sua irmã, quinta-feira 6 de abril, na Praça São Pedro, durante um encontro do Papa com os jovens da diocese de Roma em vista da Jornada Mundial da Juventude que se realizaria, em nível diocesano, no domingo sucessivo ― amou a Palavra de Deus mais do que qualquer outra coisa no mundo, buscou conformar a sua vida a Cristo e percorrer as suas vias». «Eu me sinto padre para todos ― contava Maddalena repetindo as palavras de Don Andrea. Deus ama os muçulmanos, os judeus, os cristãos. Este amor guia os nosso olhos. E sabemos que este amor guiou também os seus passos em direção ao Oriente Médio, uma terra à qual somos devedores». «O perdão para aqueles que mataram Don Andrea, que transbordou do coração da nossa mãe e de todos nós ― acrescentou a irmã do sacerdote ―, nasce também este da meditação e da assimilação da Palavra de Deus. Que este perdão, unido ao seu sacrifício, contribua à unidade das confissões cristãs e ao crescimento do diálogo entre as diversas religiões do Oriente Médio». Eis o senhorio de Cristo. Eis Cristo que na pessoa de um sacerdote se deixa assassinar por amor e no momento da sua morte salva, com amor o mundo e o seu mal.
JESUS, SENHOR DA HISTÓRIA DE BENTO XV A BENTO XVI
Deus é Amor e por isto Senhor da história: o sentido da primeira Encíclica do Papa Bento XVI
Que Jesus seja o Senhor da história o evidenciou bem o Santo Padre Bento XVI, quando, na sua primeira Encíclica Deus caritas est, falou do senhorio de Cristo sobre o mundo, um senhorio de amor. Em um mundo, o contemporâneo, sempre mais secularizado e relativista onde cada um quer ser dono de si mesmo, Papa Bento XVI propõe, ao contrário, a total obediência ao Deus de Jesus Cristo. É Ele o verdadeiro Senhor da história e somente quem se abre a Ele pode tornar-se permanentemente livre. Em uma sociedade em que todos querem ser livres, a ausência sempre mais evidente de Deus da vida das pessoas, faz de todos escravos da moda, do consumismo, da mentalidade dominante, escravos, e não livres como o Deus cristão permite ser.
A Encíclica de Bento XVI é destinada a um Ocidente opulento, próspero, que, todavia, se encontra quotidianamente a prestar contas a uma total incapacidade de reconhecer-se dependente de alguém, de qualquer coisa. Deus foi eliminado e cada um hoje é escravo de si mesmo, dos próprios prazeres, das próprias ilusões. Ao Ocidente Bento XVI recorda a necessidade de que todos voltem a reconhecer-se filhos, dependentes do verdadeiro Senhor da história. Quem deseja ser livre é a Cristo que deve olhar. Quem quer tornar-se homem completo é filho que deve buscar ser.
A Encíclica volta-se também ao Sul do mundo, àqueles países hoje sempre mais pobres e que se esforçam para criar condições sociais e econômicas dignas. Também a eles Bento XVI relembra que Deus á amor e que também Ele, em Jesus Cristo, sofreu os mesmos sofrimentos. Não é uma magra consolação, mas a verdadeira essência da vida. Aquilo que realmente conta, de fato, não é tanto o bem-estar ou a carestia, quanto viver a própria condição de vida como oferta a Cristo, como doação de si a Ele que primeiramente doou-se por todos. O homem deve lutar por condições de vida melhores, mas ao mesmo tempo deve oferecer o próprio presente a Cristo como Ele ofereceu ao seu Pai.
Deus é amor, com isso Ele pretende investir o mundo. A primeira Encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, apresenta ao mundo um Deus que pretende reger a sorte do mundo com o seu amor. O programa do Deus cristão, portanto, não é antes de tudo um programa social, um programa de justiça tal como entende o homem, mas é um programa que pretende mostrar o senhorio amoroso de Deus sobre o homem. Jesus, no primeiro texto assinado pelo Santo Padre Bento XVI, é apresentado como Senhor da história, mas o seu senhorio é aqui um abaixamento, uma humilhação, uma espoliação de si para fazer-se tudo em todos. É este o senhorio de Cristo que Bento XVI explica bem na última parte do seu texto. O Cristianismo, diz Bento XVI, aprofunda o significado que a antiga Grécia dava ao amor, e em lugar da palavra “eros” que significava o amor «por excelência» «entre homem e mulher», usa a palavra “ágape” «para exprimir um amor oblativo». É esta a «nova visão», a «novidade essencial» trazida pelo Cristianismo. Esta não deve ser entendida como uma negação do eros e da corporeidade ― mesmo se houveram tendências de tal gênero. O eros, de fato, foi posto na natureza do homem por Deus, e como tal não deve ser eliminado, mas, quando muito, disciplinado. Este ― explica Papa Ratzinger ― «tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturação para não perder a sua dignidade originária e não se degradar a puro “sexo”, tornando-se uma mercadoria». Onde o amor, entendido como união de eros e ágape, encontra a sua forma mais radical? Em Jesus Cristo. Ele ― explica o Papa ― «é o amor encarnado de Deus», e é nele que «o eros-ágape atinge a sua forma mais radical». «Na morte da cruz, Jesus, doando-se para realçar e salvar o homem, exprime o amor na forma mais sublime». E ainda: «A este ato de oferta Jesus assegurou uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia, na qual sob as espécies do pão e do vinho doa a si mesmo como novo maná que nos une a Ele. Participando da Eucaristia, também nós somos envolvidos na dinâmica da sua doação. Nos unimos a Ele e ao mesmo tempo nos unimos a todos os outros aos quais Ele se doa; tornamo-nos assim todos “um só corpo”. Em tal modo o amor a Deus e o amor ao próximo são realmente fundidos. O dúplice mandamento, graças a este encontro com a ágape de Deus, não é mais somente exigência: o amor pode ser “mandamento” porque antes é doado».
Eis então que na segunda parte da Encíclica o Santo Padre explica como este amor «oblativo» se mostra na história, na vida prática de todos os dias, nas dificuldades e nas incongruências que cada homem quotidianamente é chamado a viver. O senhorio de Cristo sobre o mundo, em suma, explica-se na caridade, uma atividade que, se justamente interpretada, «deve refletir o amor trinitário». Tal atividade, todavia, embora presente desde sempre na Igreja, sofreu desde o século XIX, «uma objeção fundamental»: «esta ― escreve o Pontífice ― estaria em contraposição com a justiça e terminaria por agir como sistema de conservação do status quo».
Substancialmente a objeção que se faz a Igreja é que «com o cumprimento de simples obras de caridade» esta «favoreceria a manutenção do sistema injusto em ato», tornando-o em algum modo suportável e «freando assim a rebelião e o potencial caminho para um mundo melhor». «Neste sentido ― escreve ainda Papa Ratzinger ― o marxismo tinha indicado na revolução mundial a na sua preocupação a panacéia pela problemática social, um sonho que se esvaiu». À questão social e, em particular, ao marxismo ― relembrou Bento XVI ―, o Magistério pontifício respondeu imediatamente com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891) e depois com a trilogia de encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991). Às problemáticas sociais, em suma, a Igreja respondeu com a elaboração de uma sua doutrina social «muito articulada, que propõe orientações válidas bem além dos confins da Igreja». Mas, admoesta o Pontífice, «a criação, de uma justa ordem da sociedade e do Estado é tarefa central da política, portanto não pode estar a cargo imediato da Igreja». A doutrina social católica, de fato, não pretende conferir à Igreja um poder sobre o Estado, mas simplesmente purificar e iluminar a razão, «oferecendo a própria contribuição à formação das consciências, a fim de que as verdadeiras exigências da justiça possam ser percebidas, reconhecidas e depois também realizadas». Todavia, «não há nenhum ordenamento estatal que, justo o quanto possa ser, venha a tornar supérfluo o serviço do amor». E assim eis reafirmado pelo Papa Ratzinger o valor do princípio de subsidiariedade, com a anotação que lá onde «o Estado quer prover tudo», este «se torna definitivamente uma instância burocrática e não pode assegurar a contribuição essencial de que o homem sofredor ― todo homem ― tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal». E ainda: «Quem deseja desembaraçar-se do amor dispõe-se a desembaraçar-se do homem em quanto homem».
Jesus ao centro da história: o programa do inteiro pontificado de João Paulo II
João Paulo II fez com que o mundo oprimido pela ditadura e pela pobreza descobrisse o verdadeiro senhorio de Cristo. Propondo incansavelmente Cristo e com uma fé cega nele, pôde abater os muros que dividiam o Ocidente livre dos regimes nacional-socialistas. Ele, graças a uma fé certa, pôde abater muros que se tinham por inabaláveis. O seu método foi sempre o de falar ao mundo de Cristo, como o Senhor que fala ao coração do homem. Cristo fala ao homem. Fala ao ditador que pensa poder mudar o mundo com o próprio poder, e fala ao perseguido que não obstante o atroz sofrimento moral e corporal tem fé em Cristo, na sua silenciosa vitória. No fim Cristo triunfa sempre e o sofrimento não é tanto uma objeção, mas a condição misteriosa através da qual Cristo pode triunfar. Não há explicação racional para o sofrimento. Há simplesmente imitação de Cristo, assunção sobre si da dor e certeza que ao fim o bem não pode senão triunfar.
É na sua primeira encíclica, a Redemptor hominis, que João Paulo II fala de Jesus Cristo «redentor do homem», «centro do cosmos e da história». «A ele ― escreve João Paulo II ― volta-se o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene, que a Igreja e a inteira família da humanidade contemporânea estão vivendo». A Redemptor hominis, promulgada em 4 de março de 1979, poucos meses após a eleição de Karol Wojtyla a Pontífice, aponta e determina as linhas mestras e o programa do inteiro pontificado do Papa polaco. No início a reflexão concentra-se sobre a realidade da Igreja; o Papa se põe no sulco do Magistério do Vaticano II e dos seus mais imediatos predecessores, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I, e põe em luz o mistério da redenção em Jesus Cristo, fundamento da realidade eclesial, «princípio estável e centro permanente» da sua missão.
A Igreja, assim, é chamada a levar Cristo redentor ao homem, que somente no Verbo encarnado pode encontrar a luz que ilumina o seu mistério; João Paulo II não fala aqui do homem abstrato, mas real, concreto e histórico. Um homem que, no mundo contemporâneo, «vive sempre mais no medo», ameaçado do fruto mesmo «do trabalho das suas mãos, do seu intelecto, das tendências da sua vontade»: de um progresso sem leis éticas, da exploração da terra sem uma racional e honesta planificação, de uma técnica que frequentemente está em contraste com o seu progresso moral e espiritual, de uma civilização materialista que o faz escravo de um totalitarismo que nega os seus direitos naturais, em particular o da liberdade religiosa. A estas por vezes dramáticas situações deve-se acrescentar a injustiça e a sempre mais vasta separação do mundo em ricos e pobres, gerada pelo «abuso da liberdade, que é ligado justamente a uma atitude consumista não controlada pela ética. Uma atitude que limita também a liberdade dos outros, ou seja, daqueles que sofrem relevantes deficiências e são lançados a condições de ulterior miséria e indigência».
A todas estas situações, a estes “medos” e desafios, o Santo Padre responde na Encíclica propondo Cristo Jesus Senhor do cosmo e da história, Cristo Jesus como a resposta às necessidades do homem contemporâneo. «Cristo revela plenamente o homem a si mesmo» escreve João Paulo II na Redmptor hominis. O Cristianismo, portanto, não é uma doutrina, um ensinamento filosófico, mas um acontecimento, ou seja um encontro com o Filho de Deus, com aquele que pode dar sentido à vida. Às problemáticas, portanto, que por séculos investem a humanidade, João Paulo II propõe como resposta não uma revolução social, mas sim a presença de Cristo companheiro e amigo do homem.
Desta nova perspectiva sobre a natureza humana, originada da fé, nasce um “humanismo autêntico”, uma concepção do homem que sublinha o valor e a dignidade, e, ao mesmo tempo também o perigo, sempre presente, de perder a própria grandeza, no oblívio da relação com Deus e exaltação da autonomia humana. O homem realiza si mesmo, a promessa contida na sua natureza, somente respeitando a verdade sobre si, portanto reconhecendo a dependência em relação ao Pai e no encontro com o Filho.
João Paulo II, partindo desta concepção, põe-se em diálogo com as problemáticas sociais, éticas e filosóficas do mundo contemporâneo, propondo um novo humanismo, fundado na fé em Jesus Cristo, no qual emerge com força a incansável defesa da vida, da liberdade e da razão do homem.
A Redemptor hominis foi complementada pela Dives in misericordia e na Dominum et vivificantem, as duas Encíclicas, respectivamente sobre a misericórdia de Deus e sobre o Espírito Santo, que completam a reflexão de João Paulo II sobre as Pessoas da santíssima Trindade. A Dives in misericordia, assinada em 30 de novembro de 1980, inicia com estas palavras: «Deus rico de misericórdia é aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai: justamente o seu Filho, em si mesmo, o manifestou e nos deu a conhecer». O amor misericordioso de Deus, iniciado já «no mistério mesmo da sua criação» e continuado na experiência de traição e perdão do povo hebraico, é justamente revelado no Filho, Jesus Cristo, na sua morte e ressurreição. O filho da parábola do “filho pródigo” é visto como imagem do «homem de todos os tempos», consciente de ter «arruinado» a sua filiação, de ter perdido a sua dignidade e a verdade de si mesmo; os bens perdidos são restituídos pelo Pai e além de toda justiça em um abraço amoroso.
«Na parábola do filho pródigo não se usa sequer uma vez o termo justiça, tal como no texto original não é usado o de misericórdia; todavia o relacionamento da justiça com o amor, que se manifesta como misericórdia, é com grande precisão inscrito no conteúdo da parábola evangélica. Torna-se mais evidente que o amor transforma-se em misericórdia, quando é preciso ultrapassar-se a precisa norma da justiça: precisa e frequentemente muito estreita».
João Paulo II não se limita a uma interpretação dos textos bíblicos e a uma reflexão teológica, mas apresenta os desdobramentos sociais deste relacionamento entre amor misericordioso e justiça. Em uma sociedade em que o homem é pleno de medo e inquietude para «o mal, seja físico que moral», que ameaça diretamente «a liberdade humana, a consciência e a religião», a «justiça somente não basta» para construir uma nova «civilização do amor»; é preciso permitir «que aquela força mais profunda que o é amor plasme a vida humana nas suas várias dimensões».
Será preciso esperar até 1986, pela Encíclica Dominum et vivicantem, uma verdadeira exortação, em vista do Grande Jubileu do ano de 2000, para que Igreja ocidental tome em maior consideração a terceira Pessoa da Trindade, e para que o mundo acolha o dom do Espírito Santo.
O Espírito Santo é um «dom de Cristo» e continua na história a Sua obra redentora: «Entre o Espírito Santo e Cristo subsiste, portanto, na economia da salvação, um íntimo laço, pelo qual o Espírito Santo age na história do homem com um outro consolador, assegurando em maneira duradoura a transmissão e a irradiação da boa nova revelada por Jesus de Nazaré».
A sua efusão é vista como «nova comunicação salvífica de Deus», um «novo início em relação ao primeiro, originário início da doação salvífica de Deus, que se identifica com o mistério mesmo da criação».
João Paulo II acentua aqui com força a necessidade que há o mundo de acolher a obra do Espírito, que age na Igreja, para reconhecer o próprio pecado e «os sinais e indícios da morte», como a corrida aos armamentos nucleares, a indiferença diante da pobreza, a falta de respeito à vida e o terrorismo; para aceitar a necessidade de redenção e construir uma sociedade mais justa.
“Mesmo se um mãe esquecesse o seu filho, Deus não esquecerá o seu povo”: a reposta de João Paulo I aos problemas sociais da história
No seu breve pontificado, o Santo Padre João Paulo I, na mensagem lida para a oração do Angelus de domingo, 10 de setembro de 1978, quis explicar que Deus, não obstante as tribulações dos povos de todo mundo, não se esquece jamais de estar próximo ao homem. Ele não resolve com uma varinha mágica os problemas, mas anseia por fazer-se homem entre outros homens, sofredor entre os sofredores, atribulado entre os atribulados. «Em Camp David, na América ― explicou então João Paulo I ―, os Presidentes Carter e Sadat e o Primeiro Ministro Begin estão trabalhando pela paz no Oriente Médio. De paz têm sede e fome todos os homens, especialmente os pobres, que nas tribulações e nas guerras pagam mais e sofrem mais; por isto observam com interesse e grande esperança a reunião em Camp David. Mesmo o Papa rezou, fez rezar e reza para que o Senhor se digne a ajudar os esforços destes homens políticos. Fiquei muito impressionado pelo fato de que os três Chefes de Estado tenham desejado exprimir publicamente a sua esperança no Senhor com a oração. Os irmãos das religiões do Presidente Sadat costumam dizer assim: “Há uma noite negra, uma pedra negra e sobre a pedra uma pequena formiga; mas Deus a vê, não a esquece”. O Presidente Carter, fervoroso cristão, lê no Evangelho: “Batei e vos será aberto, pedi e vos será dado. Nenhum cabelo cairá das vossas cabeças sem o vosso Pai que está nos céus”. E o Premiê Begin lembra que o povo hebreu passou um tempo momentos difíceis e revoltou-se ao dizer, lamentando-se: “Nos abandonou, nos esqueceu!”. “Não! ― respondeu por meio de Isaias Profeta ― pode acaso uma mãe esquecer o próprio filho? Mas mesmo se acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo”. Mesmo nós ― continuou João Paulo I ― que estamos aqui, temos os mesmos sentimentos; nós somos objeto da parte de Deus de um amor interminável. Sabemos que há sempre olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite. É pai, mais ainda é mãe. Não nos quer fazer mal; quer fazer somente bem, a todos. Os filhos, se por acaso adoecem, têm um motivo a mais para serem amados pela mãe. E mesmo nós, se por acaso somos doentes pelo mal, fora do caminho, temos um motivo a mais para sermos amados pelo Senhor».
Deus, em suma, (isto disse João Paulo I em um dos poucos discursos que pronunciou no curso do seu breve pontificado) não responde ao homem com palavras vácuas ou programas de ajuda impossíveis de serem realizados, mas responde doando o próprio infinito amor de pai e que não se esquece dos seus filhos.
Humanismo plenário e respeito da ordem estabelecida por Deus: as propostas de Paulo VI e João XXIII pelo desenvolvimento dos povos
Para o Papa Paulo VI o homem, em todos os tempos, pode desenvolver-se, pode realizar-se, pode dar frutos somente se se abre a Deus. «Sem dúvida ― escreveu o Papa Paulo VI na encíclica Populorum progressio ―, o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele não pode, no fim das contas, senão organiza-la contra o homem. O humanismo exclusivo é um humanismo desumano». Para Paulo VI, portanto, não há um humanismo verdadeiro senão aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação, que oferece a verdadeira idéia da vida humana. «Longe de ser a norma última de valores ― escreve ainda o Santo Padre ―, o homem não realiza si mesmo senão transcendendo-se. Segundo Pascal: “O homem supera infinitamente o homem”».
As desigualdades econômicas, sociais e culturais muito grandes entre povo e povo provocam tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Mas a paz, admoesta Paulo VI, não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário de forças. Esse se constrói dia a dia, na busca de uma ordem desejada por Deus, que comporta uma justiça mais perfeita entre os homens. E então, eis que para Paulo VI, Cristo, reconhecido e anunciado na vida de todos os dias, torna-se o verdadeiro artífice da realização do homem. É somente Cristo posto ao centro da vida que pode dar sentido à história. Ele vem para socorrer os últimos, os pobres, não retirando o esforço da sua vida, mas dando a essa um sentido, um significado.
Também o Papa João XXIII, na inesquecível Encíclica Pacem in terris, descreveu a possibilidade que no mundo reine a paz, a verdadeira, ou seja a de Cristo. Esta, longe de ser uma mera ausência de problemáticas e dificuldades, nasce antes de tudo do interior do coração do homem, chamado a reconhecer em cada coisa aquela «ordem estabelecida por Deus»: «A convivência entre os seres humanos ― escreve Papa João Paulo XXIII na Pacem in terris ―, não pode ser ordenada e fecunda se nessa não está presente uma autoridade que assegure a ordem e contribua suficientemente à atuação do bem comum. Tal autoridade, como ensina São Paulo, deriva de Deus: “Não há, de fato, autoridade se não de Deus” (Rm 13,1-6). O texto do Apóstolo é comentado nos seguintes termos por São João Crisóstomo: “Que dize? Então cada um dos governantes é constituído por Deus? Não, não digo isso: aqui não se trata, de fato, dos governantes em si, mas do governar mesmo. Ora, o fato de que exista a autoridade e que haja quem comanda e quem obedece não vêm do acaso, mas de uma disposição da Providência divina” (In Epist. Ad Rom., c. 13, vv. 1-2, homil. XXIII). Deus, de fato, criou os seres humanos sociais por natureza; e posto que não pode haver “sociedade que se sustente, se não há quem impere sobre os outros, movendo cada um com eficácia e unidade de meios em direção a um fim comum, segue-se que à convivência civil é indispensável a autoridade que a regule; a qual, não diferentemente da sociedade, existe por natureza, e por isso mesmo vêm de Deus” (Enc. Immortale Dei de Leão XIII)».
Se a reta via foi perdida, é preciso retornar ao Senhor, seja na vida pública, seja na privada: a exortação de Pio XII contida na Optatissima pax
Papa Pio XII foi o Papa que recolheu os testemunhos da Igreja durante o drama da Segunda Guerra mundial. Repetidas foram as suas intervenções pela paz, por aquela paz que se funda única e exclusivamente sobre a cruz de Cristo, sobre seu senhorio mostrado na cruz. «A paz mais que desejada ― escreve em 18 de dezembro de 1947 na Optatissima pax ―, que deve ser a tranqüilidade da ordem e tranqüila liberdade, após os cruentos acontecimentos de uma longa guerra, ainda oscila incerta, como todos notam com tristeza e trepidação, e tem como que suspensas em uma ânsia angustiante as almas dos povos; enquanto por outro lado em não poucas Nações ― já devastadas pelo conflito mundial e pelas ruínas das misérias que lhe seguiram como conseqüência dolorosa ― as classes sociais reciprocamente agitadas pelo ódio, com inumeráveis tumultos e turbulências, ameaçam, como todos vêem, desenterrar e subverter os fundamentos mesmos dos Estados». Que fazer, pergunta-se Pio XII? Como responder à ânsia que o fim de uma guerra tremenda ainda levava consigo? «Recordam todos ― explicou o Santo Padre ― que aquela multidão de males, que nos anos transcorridos tivemos de suportar, abateu-se sobre a humanidade principalmente porque a divina religião de Jesus Cristo, que é promotora de mútua caridade entre os cidadãos, os povos e as gentes, não regulava, como teria sido necessário, a vida privada, doméstica e pública. Se, portanto, por este distanciamento de Cristo, a reta via foi perdida, é necessário retornar e Ele seja na vida pública, seja na privada; se o erro obscureceu as mentes, é necessário retornar àquela verdade, que, tendo sido divinamente revelada, indica o caminho que conduz ao céu; se finalmente o ódio deu frutos mortíferos, é preciso reacender aquele amor cristão que unicamente pode sanar tantas feridas mortais, superar tantos assustadores perigos, adocicar tantas angustiantes sofrimentos».
Para o Papa, portanto, o mal do homem existe por um seu livre distanciamento de Deus, por um não reconhecimento de Deus como verdadeiro Senhor do mundo e da história. «Que Ele ― continuou Pio XII falando de Cristo ― ilumine com a sua luz celeste as mentes daqueles que frequentemente, mais do que movidos por uma obstinada malícia, são levados a enganos e erros ofuscados pela prazerosa aparência de verdade; que ele reprima e aplaque nas almas o ódio, componha as discórdias, faça reviver e crescer a caridade cristã. Àqueles que gozam de muitos bens, que Ele ensine uma sólida generosidade para com os pobres; àqueles que são atormentados pelas suas condições pobres e atribuladas, Ele, com o seu exemplo e com a sua ajuda, aporte as consolações espirituais e os conduza a desejar sobretudo os bens celestes, que são os bens melhores e que não faltarão jamais. Nas presentes angústias, confiamo-nos muito às orações das crianças inocentes, que o divino Redentor de um modo particular acolhe e ama. Elevem eles, portanto, a Ele, durante a solenidade natalícia, as suas cândidas vozes e as suas delgadas mãozinhas, símbolo da inocência interior, implorando paz, concórdia e mútua caridade. E além de fervorosas orações unam os exercícios de piedade cristã e as ofertas generosas, com as quais a divina justiça, ofendida por tantas culpas, possa ser aplacada, e ao mesmo tempo os indigentes possam receber ― na medida que a disponibilidade de cada um permite ― os oportunos auxílios.
Temos plena confiança, veneráveis irmãos, que com solerte empenho e diligência, dos quais temos tantas provas, vocês farão com que nossas paternas exortações sejam atualizadas e obtenham felizes frutos e que todos, especialmente as crianças, correspondam, com voluntarioso transporte, a estes nossos convites que farão seus. Confortados por esta suave esperança, seja com vocês, singularmente e universalmente veneráveis irmãos, seja com os rebanhos confiados aos seus corações, compartilhamos com efusão de ânimo a apostólica benção, como atestado da nossa paterna benevolência e auspícios das graças celestes».
A Igreja tem o direito e também o dever de endereçar com as próprias opiniões a vida social, política e econômica de um País afirmou Pio XI
Papa Pio XI, na época Achille Ratti, governou a Igreja de 1922 a 1939. Foram anos em que em várias partes do planeta as ditaduras de cunho socialista tomaram forma. O Pontífice, em muitos de suas declarações, responde a quanto está acontecendo admoestando as Nações e os seus governados e deixarem entrar Deus na política e na sociedade, porque uma política e uma sociedade sem Deus resultam necessariamente de coisas amorais. Na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931, ele fala de uma problemática ainda presente em nossos dias, ou seja, do «direito» e do «dever» que a Igreja tem «de julgar com suprema autoridade as questões sociais e econômicas» das Nações. Certamente ― explicou Pio XI ― «não quer nem deve a Igreja sem justa causa inserir-se na direção das coisas puramente humanas. De modo algum, porém, pode renunciar ao ofício designado a ela por Deus de intervir com a sua autoridade, não nas coisas técnicas, pelas quais não possui nem meios adequados nem a missão de tratar, mas em tudo aquilo que é pertinente à moral. De fato, nesta matéria, o depósito da verdade a Nós consignado por Deus e o dever gravíssimo a Nós imposto de divulgar e de interpretar toda a lei moral e mesmo de exigir oportunamente e importunamente a observação, submetendo-os e sujeitando-os ao Nosso supremo juízo tanto a ordem social, quanto o econômico. Ainda que a economia e a disciplina moral, cada uma em seu âmbito, se apóiem sobre princípios próprios, seria errado afirmar que a ordem econômica e a ordem moral sejam tão disparatadas e estranhas uma a outra, que a primeira em nenhum modo dependa da segunda. Certamente, as leis, que se dizem econômicas, tiradas da natureza mesma das coisas e da índole da alma e do corpo humano, estabelecem quais limites no campo econômico o poder do homem não pode e quais pode atingir, e com quais meios; e a mesma razão, da natureza das coisas e da individual e social do homem, claramente deduz qual seja o fim por Deus Criador proposto e todas as ordens econômicas».
Para Pio XI, em suma, as verdades da fé cristã devem julgar a vida de uma sociedade, porque uma moral que não seja referida a Deus, não é verdadeira moral. «E onde tal lei seja obedecida fielmente por nós ― explicou ainda o Pontífice referindo-se às leis divinas que pela sua natureza é superior às leis dos homens ―, acontecerá que todos os fins particulares, tanto individuais quanto sociais, em matéria econômica perseguidos, inserir-se-ão convenientemente na ordem universal dos fins, e subindo por eles como por outros tantos degraus, atingiremos o fim último de todas as coisas, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si mesmo e para nós».
Bento XV, o Papa da paz em um mundo em guerra
Papa Bento XV foi o Pontífice que se deveria medir com a explosão dramática da primeira guerra mundial. O drama da guerra ― nem poderia ser diferente ― é a constante angústia que atormenta Bento XV durante o inteiro conflito. Desde a primeira Encíclica ― Ad beatissimi Apostolorum, de 1 de novembro de 1914 ― como «Pai de todos os homens» ele denuncia que «todos os dias a terra transborda de sangue novo e se recobre de mortos e feridos». E esconjura Príncipes e Governantes a considerar o lancinante espetáculo apresentado pela Europa: «o mais tétrico, talvez, e o mais lutuoso na história dos tempos». Infelizmente, a sua reiterada invocação à paz, recuperada do Evangelho de Lucas ― «Paz em terra aos homens de boa vontade» ― permanece ignorada. Quais os motivos? Ele mesmo identifica os principais: a falta de mútuo amor entre os homens, o desprezo da autoridade, a injustiça dos relacionamentos entre as várias classe sociais, o bem material feito o único objetivo da atividade do homem.
É com a guerra finda, na Encíclica Pacem Dei munus de 23 de maio de 1920, que Bento XV pede expressamente que todos os homens em nome de Cristo se reconheçam irmãos. Infelizmente, mesmo se as forças armadas internacionais em geral se calam, os ódios de partido e de classe exprimem-se com uma dramática violência na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na Irlanda e em outros países. A desventurada Polônia arrisca ser envolvida pelos exércitos bolcheviques; a Áustria «debate-se entre os horrores da miséria e do desespero» escreve o Pontífice em 24 de janeiro de 1921, implorando a intervenção dos Governos que se inspiram aos princípios de humanidade e justiça; o povo russo, abatido pela fome e pelas epidemias, está vivendo uma das maiores e mais assustadoras catástrofes da história, a tal ponto que ― como anota Bento XV em uma Epístola de 5 de agosto de 1921 ― «da bacia do Volga milhões de homens invocam, defronte à mais morte terrível, o socorro da humanidade».
Somente uma fé autêntica e ilimitada pode guiar a ação do Papa da Igreja, chamado a agir em um dos períodos mais difíceis e dramáticos da história humana. Teve pouquíssimas satisfações. Antes de morrer constata com legítimo comprazimento que os Estados creditados junto à Santa Sé ― quatorze ao momento da sua eleição ― haviam subido a vinte sete. E toma conhecimento, outrossim, que em 11 de dezembro de 1921 foi inaugurada em uma praça pública de Constantinopla uma estátua dedicada a ele, aos pés da qual está escrito: «Ao grande Pontífice da tragédia mundial ― Bento XV ― Benfeitor dos povos sem distinção de nacionalidade ― ou de religião ― em sinal de reconhecimento ― o Oriente».
JESUS SENHOR DA HISTÓRIA, PROCLAMADO A TODOS OS POVOS
No curso dos últimos cem anos, tantas foram as ocasiões que os Pontífices tiveram para proclamar “Jesus, Senhor da história” a todos os povos, mesmo àqueles por história e tradição aparentemente mais distantes da fé católica. Em tantas situações, mesmo diante de dramas catastróficos para a humanidade, as palavras dos vários Pontífices jamais deixaram de recordar que Jesus Cristo, em qualquer situação, é e permanece o Senhor de todos, porque a tudo e a todos quer investir com o seu amor. Recordemos aqui três situações particulares nas quais os Pontífices, sem medo, testemunharam em situações difíceis a realeza do Senhor sobre o mundo, uma realeza de verdade e de amor.
Roma arde, Pio XII de braços abertos entre os romanos em S. Lorenzo. Em meio ao conflito mundial, o exemplo dos grandes santos mártires, entre os quais padre Maximiliano Kolbe
Jesus Senhor da história sob os bombardeios. O testemunho mais impressionante neste sentido, o deu o Papa Pio XII no desenrolar da Segunda Guerra mundial. Era 19 de julho de 1943 e no bairro S. Lorenzo, desabavam as bombas. Pio XII saiu do Vaticano imediatamente, antes ainda que fosse dado o sinal de cessar-fogo, e se meteu entre as pessoas atingidas no bairro Tiburtino. As testemunhas oculares desta visita do Pontífice retratam um Pio XII comovido, que, em meio à uma multidão de gente pobre que chorava e orava, queria testemunhar como também nesses momentos tristes e escuros da história Cristo está ao lado do homem e sofre com ele. Pio XII apertava as mãos das pessoas que lhe estavam mais próximas e parecia não conseguir separar-se delas.
O mundo era abalado pelo segundo conflito mundial. Milhares e milhares de mortos. A ferocidade do nazismo se descarregava contra populações inermes, inocentes. Onde estava Deus em tudo isto? Era Deus, nesta situação, realmente o Senhor da história? Onde? Como? Mesmo aqui o exemplo do Papa, que chega ao Verano após os bombardeios a abre os braços ao céu e aos homens, faz compreender muita coisa. O Senhor não é o dono do mundo. Ele é quando muito aquele que dá sentido ao mundo. Ele é presente no mundo, dentro das guerras, as misérias, as infâmias, as injustiças mais atrozes, e se faz companheiro de cada situação. Pio XII não quer fazer senão isto. Estar próximo, presente, entre o sofrimento das pessoas. Cristo Senhor do mundo sofre com o homem e vence o mal porque o transforma em bem. Em que sentido? No sentido que o mal, o sofrimento e o cansaço permanecem, mas estes podem ser vividos como oferta ao Pai porque dos céus se usa este sofrimento oferto para redimir, salvar o mundo.
O Senhor da história é dentro do sofrimento no sentido que realmente sofre também Ele com o homem e usa deste sofrimento para a conversão, a salvação, de outros homens. Bem entendido, as tragédias da Segunda Guerra mundial permanecem tais, ninguém as pode eliminar, mas entre estas tragédias houve homens que viveram, não obstante, à luz de Cristo, seu verdadeiro Senhor dentro da história, presença à qual se pode oferecer todas as coisas.
Exemplo luzente é o santo mártir padre Maximiliano Kolbe, o qual, encontrando-se em um campo de concentração durante a Segunda Guerra mundial, com o estupor de todos os prisioneiros e dos mesmos nazistas, saiu das filas dos detentos e se ofereceu em substituição de um dos condenados à morte, o jovem sargento polaco Francesco Gajowniezek. Deste modo inesperado e heróico padre Maximiliano desceu com os condenados no subterrâneo da morte, onde, um após o outro, os prisioneiros morriam, consolados, assistidos e abençoados por um santo. Foi a sua morte a derrota de Cristo, ou antes a demonstração de que Cristo reina mesmo lá onde há a morte e o desespero? Em 14 de agosto de 1941, padre Kolbe encerrou a sua vida com uma injeção de ácido fênico. No dia seguinte o seu corpo foi queimado no forno crematório e as suas cinzas espalhadas ao vento. Em 10 de outubro de 1982, na praça São Pedro, João Paulo II declarou “Santo” padre Kolbe, proclamando que “São Maximiliano não morreu, mas deu a vida...”. Eis o segredo do senhorio de Cristo: Rei é quem dá a vida pelos outros, dentro das incríveis injustiças do mundo.
João Paulo II em Cuba, na terra de Fidel Castro: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança»
Em janeiro de 1998 João Paulo II consegue chegar à ilha de Cuba, governada por Fidel Castro. Ali o Pontífice falou de Jesus Cristo, verdadeiro redentor do coração do homem e augurou que a sua visita pudesse ajudar o povo cubano a restaurar «o homem como pessoa nos seus valores humanos, éticos, civis e religiosos» e a torná-lo capaz de «realizar a sua missão na Igreja e na sociedade».
No seu discurso de chegada ao aeroporto de La Habana (25 de janeiro de 1998) ele explicou ter chegado à Cuba como sucessor do Apóstolo Pedro e seguindo a ordem do Senhor: «Vim como mensageiro da verdade e da esperança ― disse João Paulo II ―, para confirmar-lhes na fé e deixar-lhes uma mensagem de paz e de reconciliação em Cristo. Por isto os encorajo a continuarem a trabalhar unidos, animados pelos princípios morais mais altos, a fim de que o conhecido dinamismo que distingue este nobre povo produza abundantes frutos de bem-estar e de prosperidade espiritual e material em benefício de todos». E ainda: «A todos os que habitam nas cidades e nos campos, e às crianças, aos jovens e aos anciãos, às famílias e a todas as pessoas, confiante que continuarão a conservar e a promover os valores mais autênticos da alma cubana que, fiel à herança dos próprios antecedentes, deve saber demonstrar também nas dificuldades a sua confiança em Deus, a sua fé cristã, o seu laço com a Igreja, o seu amor pela cultura e as pátrias tradições, e a sua vocação à justiça e à liberdade. Em tal processo, todos os cubanos são chamados a contribuir ao bem comum, em um clima de respeito recíproco e com um profundo senso de solidariedade».
Em Cuba o Santo Padre não teve medo de falar dos «sistemas ideológicos e econômicos que se sucederam nos últimos séculos», os quais ― disse ― «enfatizaram frequentemente o desencontro como método, porque continham nos próprios programas os germes da oposição e da desunião. Este condicionou profundamente a concepção do homem e os relacionamentos com os outros. Alguns destes sistemas pretenderam reduzir também as religiões à esfera meramente individual, espoliando-la de todo influxo ou relevância social». Neste sentido, João Paulo II recordou como um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um dos próprios ordenamentos políticos. O Estado, longe de todo fanatismo ou secularismo extremo, deve segundo o Papa Wojtyla promover um clima social sereno e uma legislação adequada, «que permita a cada pessoa e a cada confissão religiosa viver livremente a própria fé, exprimir-la nos âmbitos da vida pública e poder contar com seus meios e espaços suficientes para oferecer à vida da Nação as próprias riquezas espirituais, morais e cívica». «De outro lado ― disse ainda o Santo Padre ―, em vários lugares se desenvolve uma forma de neo-liberalismo capitalista que subordina a pessoa humana ao mercado, carregando, a partir dos próprios centros de poder, o povo menos favorecido com pesos insuportáveis. Sucede assim que, frequentemente, são impostas às Nações, como condição para receber novos auxílios, programas econômicos insustentáveis. Em tal modo se assiste, no concerto das Nações, o enriquecimento exagerado de poucos ao preço do empobrecimento crescente de muitos, de modo que os ricos são sempre mais ricos e os pobres sempre mais pobres».
As duas visitas de João Paulo II a Nicarágua: o Evangelho de Cristo anunciado incansavelmente diante das incompreensões
Em 1983 João Paulo II decide visitar a América Central. Uma das etapas foi a Nicarágua. Foi uma das viagens mais dramáticas do Pontífice que não teve medo de levar a palavra de Deus a um País governado por um regime sandinista. Durante a celebração da Missa, na Praça 19 de Julho, em Manágua, se dá um fato incrível. O Papa é impedido, de fato, de falar. A instalação dos microfones havia sido manipulada. O rito eucarístico profanado. O povo mantido à distância, as transmissões televisivas canceladas. O regime sandinista havia já há alguns anos tomado conta do País. Esse sustentava o nascimento de uma Igreja popular, inspirada pela «teologia da libertação», que propugnava uma releitura do Evangelho em clave marxista para andar de encontro à ânsia de justiça de milhões de pobres. O Santo Padre foi a Nicarágua justamente naquela difícil conjuntura política e eclesial. A América Central, além disso, e em modo particular a Nicarágua, era uma área de alto risco, férvida, tendo se tornado um dos maiores cenários do confronto ideológico entre capitalismo e comunismo. E a Nicarágua era justamente o epicentro do confronto hegemônico entre Estados Unidos e União Soviética.
E assim, no instante mesmo em que o Pontífice desembarcou no País, pôs-se em movimento a Grande Instrumentalização. Havia um verdadeiro «plano» para obstaculizar a visita, e para desacreditar o Papa aos olhos da população, fazendo-o aparecer como filo-americano e contra o sandinismo e seus heróis. Mais tarde, relatou tudo um ex-dirigente de uma seção da Segurança, Miguel Bolanos: «Diante do palco haviam somente 400 “domesticados”. A grande multidão encontrava-se mais atrás... No momento combinado, o comandante Calderon fez um sinal. E então as seis “mães de mártires”, juntamente com as “turbas” (milicianos adestrados para o distúrbio), recitaram o script, subiram ao palco...». O Papa teve de defender-se sozinho, gritando «Silêncio! Silêncio!», e replicando ao slogan dos ativistas.
Mas João Paulo II não se deu por vencido. Seguro de poder levar também àquele País a mensagem de que somente Cristo salva o homem e o faz definitivamente livre, mais de dez anos após retornou à Nicarágua. Era fevereiro de 1996. O sandinismo não somente havia sido derrotado nas eleições, mas havia perdido o favor popular, vindo à baila os imbróglios econômicos de muitos de seus dirigentes. E o Papa recordou a precedente visita com poucas, mas extremamente significativas, palavras: «Não consegui encontrar realmente o povo». E no encontro realizado com os jovens do País disse: «Diante de um mundo de aparências, de injustiças e de materialismo que nos circunda, exorto-lhes, rapazes e moças a realizar, com responsabilidade e alegria, uma escolha fundamental por Cristo em vossa vida: Jovens, abram as portas do seu coração a Cristo! Ele não ilude jamais. Ele é a Via da paz, a Verdade que nos faz livres e a Vida que enche de alegria». (P.L.R.) (Agência Fides 29/4/2006)
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