Os argumentos do Não - III
Os defensores da prisão para as mulheres que abortam, falam em liberalização do aborto. Alegam que com a despenalização o número de abortos crescerá. Dão imensos exemplos. De imensos países. E, supostamente, baseiam-se em números.
Os defensores da prisão, esquecem-se que não há números para comparar. O aborto é clandestino. As mulheres que entram nos hospitais com complicações após uma IVG, raramente a assumem. Entram com hemorragias. Ou com infecções. Ou falam que não sabem o que aconteceu, estavam grávidas e começaram a perder sangue. O medo, a vergonha, a insegurança, as imagens de mulheres com vidas devassadas, fazem-nas calar.
Quando abortei, liguei para a Dona A. numa Quinta Feira. Precisava que fosse depressa. Nestas coisas, o tempo conta e já tinha gasto demasiado a tratar de pedir um avanço do subsidio de férias e de Natal, para o poder fazer. Não foi a Dona A. que me atendeu. "Mas pode dizer". Só podia ser na Terça a seguir. “Mas não é possível ser antes?” “Não, amanhã está cheia e Segunda também. E já deixou de trabalhar aos fins de semana...também precisa de descansar, não é?”. A voz não era antipática, mas algo apressada. Saturada. Vá, decide-te, que quem precisa és tu. Sentia-se o tom do recado.
Na Terça Feira, às 11.00h, a casa estava cheia. “Olhe que está demorado. Vai ter que esperar...”. Esperei. Creio que contei as mulheres que estavam na sala. De todas as idades. Não me lembro quantas contei. Não sei quantas já tinham sido atendidas. A Dona A. começava a "falar com as senhoras" às 9.00.
Enquanto esperei entraram mais algumas. A sala continuava cheia. Fui atendida quase à 1 hora da tarde. Quando saí não pude reparar se a sala estava ainda mais cheia. Não se sai logo a ver.
Os defensores da prisão esquecem-se que não há nada para liberalizar. Nada há de mais liberal que o aborto clandestino. Feito à mercê da oferta e da procura. Sem lei. Paga-se um tanto à farmácia da esquina que avia os antibióticos sem pedir receita. Paga-se a um médico, que serve de retaguarda se algo correr mal. Às vezes, paga-se à polícia para fingir que não vê, já que a esquadra é suficientemente perto, para não se passar despercebida.
Os defensores da prisão, esquecem-se que não há números para comparar. O aborto é clandestino. As mulheres que entram nos hospitais com complicações após uma IVG, raramente a assumem. Entram com hemorragias. Ou com infecções. Ou falam que não sabem o que aconteceu, estavam grávidas e começaram a perder sangue. O medo, a vergonha, a insegurança, as imagens de mulheres com vidas devassadas, fazem-nas calar.
Quando abortei, liguei para a Dona A. numa Quinta Feira. Precisava que fosse depressa. Nestas coisas, o tempo conta e já tinha gasto demasiado a tratar de pedir um avanço do subsidio de férias e de Natal, para o poder fazer. Não foi a Dona A. que me atendeu. "Mas pode dizer". Só podia ser na Terça a seguir. “Mas não é possível ser antes?” “Não, amanhã está cheia e Segunda também. E já deixou de trabalhar aos fins de semana...também precisa de descansar, não é?”. A voz não era antipática, mas algo apressada. Saturada. Vá, decide-te, que quem precisa és tu. Sentia-se o tom do recado.
Na Terça Feira, às 11.00h, a casa estava cheia. “Olhe que está demorado. Vai ter que esperar...”. Esperei. Creio que contei as mulheres que estavam na sala. De todas as idades. Não me lembro quantas contei. Não sei quantas já tinham sido atendidas. A Dona A. começava a "falar com as senhoras" às 9.00.
Enquanto esperei entraram mais algumas. A sala continuava cheia. Fui atendida quase à 1 hora da tarde. Quando saí não pude reparar se a sala estava ainda mais cheia. Não se sai logo a ver.
Os defensores da prisão esquecem-se que não há nada para liberalizar. Nada há de mais liberal que o aborto clandestino. Feito à mercê da oferta e da procura. Sem lei. Paga-se um tanto à farmácia da esquina que avia os antibióticos sem pedir receita. Paga-se a um médico, que serve de retaguarda se algo correr mal. Às vezes, paga-se à polícia para fingir que não vê, já que a esquadra é suficientemente perto, para não se passar despercebida.
Isto na melhor das hipóteses. Na pior, recebe-se o dinheiro de não sei quantos salários, diz-se “vá, depressa, tem que se vestir. Quer ficar aqui o resto do dia?” e passa-se à seguinte. Ou não se quer pagar à Policia para fingir que não vê. E acaba-se na barra dum tribunal.
Sai-se apressada. Não há lugar para nos falarem em precauções. Em voltar lá para ver se está tudo bem. Apenas temos que nos apressar, porque a sala ainda está cheia.
Sai-se apressada. Não há lugar para nos falarem em precauções. Em voltar lá para ver se está tudo bem. Apenas temos que nos apressar, porque a sala ainda está cheia.
Há alguma coisa mais liberal que isto? Não se deixa nome. Não se faz acompanhamento médico nem pré nem pós aborto. “Quantos meses são?”. Tenta-se dizer um pouco menos, porque o tempo que se gastou a arranjar o dinheiro pode tornar o aborto mais caro...não irrealizável...o aborto clandestino raramente é irrealizável. Apenas mais caro. Então paga-se o que nos pedem.
Depois temos que nos apressar porque a cama, por detrás do biombo, já está a ser precisa para a próxima mulher. Ninguém quer voltar a saber de nós. Agradecer-nos-ão se lá voltarmos. È necessário manter a sala cheia.
Passados muitos anos, para além da minha, ficaram-me algumas histórias. Não me lembro dos rostos. Lembro-me de algumas vozes. E das histórias que contavam. Em muitas havia resignação. Em muitas, medo. Noutras, silêncio. Não parecia haver culpa, a não ser talvez, no silêncio. Mas pelo que recordo da maioria daquelas mulheres, acho que muitas lá voltaram. Ninguém as acompanhou à saída. Ninguém as ouviu à entrada. E parece pouco provável que tenham conseguido arranjar emprego, forma de ganhar dinheiro suficiente para criar os outros filhos, maneira de ter acesso a um planeamento familiar consequente. Posso estar enganada., mas algumas daquelas mulheres voltaram a contribuir para a farmácia da esquina e para o almoço dos agentes da esquadra em frente. E deram trabalho à Dona A. E muito dinheiro. Sem impostos. Há alguma coisa mais liberal que o aborto clandestino?
Etiquetas: Isabel Faria
18Comenta Este Post
afinal o crime está na lei ou na abortadeira? a autora que se decida que já não há pachorra para tanto narcisismo
Os argumentos do não.....argumentos.....
Penso que se o sr. José Policarpo não puxar as orelhas a alguns dos seus subordinados, isto antes do dia 11 pega fogo.
Certos padres e Bispos voltaram aos tempos do Miguel e da Carlota Joaquina, e já se vêm com uma cruz á frente e as forças trauliteiras pela arreata, a matar ,infieis, hereges, e pedreiros-livres.
Como dizia hoje e bem, o Presidente Sampaio, ao que este debate chegou....
É dificil ser partidario do SIM, e não responder á letra a esta gentalha, que se julga dona da verdade única, e quer IMPÔR a todos os portugueses, os seus principios, como se isso fosse possivel no seculo XXI
Só espero para bem de Portugal e já agora daqueles católicos, ( e são cada vez mais ) que abominam a linguagem de certos partidários dos movimentos PRO-PRISÂO, que o sr. José Policarpo ponham mão nisto.
Isabel os jornais da RTP são cada vez mais propaganda aos movimentos do não.
Vamos denunciar esta situação , vamos exigir igualdade e equidade da televisão públicanos noticiarios , quer dos movimentos que se reclamam do Sim quer dos movimentos PRO-PRISÂO.
Vamos escrever todos ao provedor, eu já o fiz.
Como pode alguém argumentar, em favor do Não?
Será que as mulheres que navegam nessas águas, nunca fizeram UM ABORTO? Não? Mentirosas!
Não Isabel, não pelas razões que bem expressas no teu escrito, mas por outras e a principal é por desamor. Por outro lado, que moralidade têm os padres para falar sobre o assunto? Só lhes atribuiria algum crédito, se fossem CAPADOS, pois assim, a terem a possibilidade de fazerem filhos nas mulheres dos outros, é fácil opinar.
Votemos sem dúvidas no SIM!!
Ás vezes ouvir um testemunho muda tudo...
Da forma como a pergunta está colocada nunca tive dúvidas qual seria o meu voto. Sim pela liberdade das mulheres! Se tivesse, ouvir o testemunho de quem fez um aborto, mudaria tudo!
Contudo fico triste com a hipocrisia que este referendo tem adjacente,... ouvir amigas minhas a dizer que vão votar não, pelo direito à vida, blá blá blá, quando eu sei que elas fizeram abortos em adolescentes! Enfim!
Eu sou católica, sou catequista, e como tal compreendo (politicamente) a posição que a Igreja toma, mas tenho que condenar os radicalismo, pois podia passar um pouco mais à margem do assunto, porque a verdade é que sabemos que a Igreja nunca dirá sim ao Aborto! Não posso concordar com as posições, porque a mesma Igreja manda-nos acreditar no Amor pelo próximo,..., a mesma Igreja tem o mandamento "Não matar nem causar dano, no corpo ou na alma, a si mesmo ou ao próximo",... e eu pergunto e então? quem vem primeiro? a minha pessoa? ou o próximo?
A mesma Igreja que eu acredito, acredita em Cristo, que várias vezes apela ao amor por nós próprios, o mesmo Cristo que mostra que temos que nos amar, para conseguir amar o próximo... Contudo isto e mais coisas que tornariam o comentário demasiado longo, não posso concordar com a posição da Igreja, e só posso votar SIM!
Obrigada Isabel!
Alguns comentários que tenho visto no Troll, desde que a Isabel admitiu ter feito um aborto, fazem-me confusão,... será que estas pessoas que lhe apontaram logo uma arma em riste não pensa na Isabel! Decerto que terá sido um dos dias mais difíceis da vida da Isabel! E decerto que pensa no assunto diversas vezes! Custa-me ler os comentários, pois parece que a Isabel o fez só porque sim! E ainda por cima a Isabel é que é acusada de naracisismo! Enfim
Anónimo, não sabes o que é narcisismo, nem do que estás a falar...ou não encontrarias contardiçaõ entre a lei e a abortadeira. Afinal só existem abortadeiras porque existe ESTA lei.
Quanto à pachora...porque é que voltas? Masoquismo?
A.Pacheco, tens razão quanto à RTP. Logo à tarde vou tentar fazer um post sobre a postura da nossa televisão pública. E penso que tens razão. Deveriamos reclamar ao Provedor. E talvez à CNE.
José, num país essencialmente católico...naquela sala, naquele dia, seguramente havia mulheres católicas. Disso não tenho duvida.
Eu voto não por causa da Isabel Faria.
Rita, sabes quel é o problema maior? É que não são pessoas. Escondem-se num anonimato. Inventam nomes (estás a ver o comentário a seguir?). È a hipocrisia e a cobardia no seu melhor.
Mas sabes Rita, nestes anostodos por aqui (e já são alguns) aprendi algumas coisas. Dos fracos não reza a história. E quem aponta o dedo acusador, sob a capa do anonimato, é sempre gente fraca.
Posso discordar do que diz...mas prefiro aquele Padre que fala em excomungar quem votar Sim...ao menos tem nome.
Não sei se reparaste, aqui há uns dias houve um anónimo que me chamou assassina. E que acrescentou que devia ser presa por isso. Desafiei-o a encontrar-se comigo à porta da Esquadra do D. Maria. Ele ficava com rosto e denunciava-me...fugiu. Os cobardes são assim.
Ninguém no seu perfeito juizo poderá condenar uma mulher por abortar. É uma opção. Etica ou não depende muito das circunstâncias. Sim, porque também e acima de tudo é uma questão ética e moral.
Compreende-se que estes dois predicados são raros na sociedade portuguesa, diria mesmo em vias de extinção (aliás como o tuga tantas vezes faz questão de sublinhar e praticar). É assim natural que o SIM venha a ganhar porque estão a por a questão de que quem é contra é contra as mulheres e não a favor da vida, da ética, da moral... tudo coisas que faz muita confusão a muita gente.
E eu vou votar SIM, por causa das ditas Anas Gonzagas ( pseudonimo) que por aqui de vez em quando comentam....
A CNE está cega surda e muda, a começar pela forma como viu as candidaturas dos movimentos ao referendo, mas é a vida...
Já quanto ao provedor da RTP, aí devemos reclamar até que ele ouça.
O estranho nisto,
é o silencio do Artur Santos Silva, ou será que que depois de ser tão criticado por causa da manipulação dos noticiarios da RTP, agora perante este escandalo achou melhor remeter-se ao silêncio.
E os jornalistas, agora até o Cardeal vai ás conversas em familia da Judite de Sousa, nada me move contra o sr. José Policarpo, já o disse várias vezes, e se ele mantivesse a postura que teve mo inicio deste processo, até poderia ser uma voz a escutar, assim, e perante o despaupério de certas figuras da Igreja Católica, será um tempo de antena do não.
Haja decoro ....
a ignorância continua a par com os disparates e o triunfalismo oco. claro que enquanto o artigo 140 estiver no código penal todas as mulheres apanhadas continuam a estar sujeitas até três anos de prisão por qualquer juiz e claro que quando os do não metem no mesmo saco vida humana e pessoa humana e palermas alegadamente do sim lhes fazem o jogo e entram à toa na guerra das religiões e nos insultos há tudo menos uma vitória “natural” do sim.
Olá Miguel, bem vindo. Gostava de poder subscrever as tuas palavras. "Ninguém no seu perfeito juízo". Mas ou são hipócritas e dizem que querem uma Lei para não ser cumprida.Ou não são, e é isso que verdadeiramente pretendem. Basta ler-lhes os Blogs.
A.Pacheco, a linguagemdo nosso último anónimo nãqo te lembra ninguém? Voltam todos /as. O que é que podemos fazer?
Não há nenhuma guerra de religiões, há sim , pelo menos da minha parte o verberar dos despaupérios, que diariamente oiço a figuras da Igreja Católica, e a alguns integristas e fanaticos, que estão nos movimentos PRO-PRISÂO.
Quando o sr José Policarpo em Outubro, publicou um artigo em que pedia moderação no debate , e sobretudo humanidade e espirito cristão com as mulheres que abortam.
Eu pensei que mesmo estando em campos diferentes, ia ser possivel debater serenamente o que realmente esava em causa, que é retirar da lei actual, o paragrafo 140, que pode conduzir á prisão até 3 anos , as mulheres que abortam.
Infelizmente, após o bispo de Brançança-Miranda, o padre de Castelo de Vide, o bispo da Guarda, para alem de dezenas de padres a nivel local, terem entrado numa espiral de INSULTOS, e até para cumulo utilizarem uma imagem de Fatima a chorar, seria pouco sensato, não confrontar a Igreja com as suas contradições.
Não o fazer é que seria um sinal de cobardia, e para meias tintas já bastam os pseudo NINS do Marcelo, do Marques Mendes etc etc etc.
O SIM RESPONSAVEL, é tambem um sim de cidadãos que não têm medo de expressar a suas opiniões.
Eu vou votar NÃO! Apenas pelo fundamentalismo de alguns pseudo-intelectuais que escrevem aqui.
Cara Paula, de pessoas conscientes e responsáveis como a Paula, que decidem o sentido do seu voto pelas coisas que se escrevem num Blog, é que este País precisa.
Não! Não! Não! Não há motivos que justifiquem a morte.
principalmente não se justificam as mortes causadas por guerras para ir roubar o petróleo alheio, ou as provocadas pela fome ou pela doença por não haver dinheiro para remédios. muito menos se justificam mortes absurdas porque não havia dinheiro para ir a badajoz e se teve que recorrer a uma curiosa baratucha que infectou a moça de 20 anos que se foi com uma septicémia. mas estas mortes de que estou a escrever são de homens e mulheres, de gente como a paula e a laura.
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