Afinal, o Mundo não acabou

Afinal as irresponsáveis das mulheres não desataram a fazer abortos como quem muda de camisa, como diziam os nossos guardiões do templo; recorre-se mais a métodos farmacêuticos do que cirurgicos, o que significa que se interrompe a gravidez cedo; recorre-se a instituições públicas, o que prova que as IVG mais avançadas, de antes da despenalização, tinham, a grande maioria das vezes, como causa a falta de meios económicos para pagar o aborto clandestino; continuam a nascer bebés (ainda hoje nasceu mais um, numa ambulância a tentar chegar à Maternidade); as listas de espera dos hospitais não cresceram por causa das filas gigantescas de mulheres que invadiriam os hospitais para interromper a gravidez, o recurso a medicamentos não implica estadia, nem ocupa camas, nem enormes meios técnicos e humanos que a sererm usados nas IVGs poriam em causa, como diziam as nossas almas sempre preocupadas com o sofrimento dos outros, milhares de vidas humanas que teriam que esperar anos para que as desgraçadas e as irresponsáveis pudessem fazer um aborto. Enfim, afinal, parece que o Mundo não acabou.

...

Afinal, o mal, estava mesmo, e só, em dois pontos: o aborto clandestino caro e inseguro. A absoluta hipocrisia e o absoluto desprezo pelos sentimentos, pela dignidade e pela inteligência da mulher, dos arautos do Apocalipse.

Mas não tenho ilusões, eles continuam aí nas suas cruzadas falsamente moralistas de que, às vezes, em súbitos ataques de alguma dignidade, mostram as verdadeiras faces...

...