O retrocesso dos nossos filhos e as nossas responsabilidades nele
Quando olhamos para as manifestações violentas dos jovens gregos, talvez mesmo antes de entrar em explicações muito complicadas, valesse a pena pararmos um pouco numa reflexão, que hoje por mais que uma vez e vinda de pessoas diferentes, perpassou pelo Fórum Democracia e Serviços Públicos: pela primeira vez, desde o fim da II Guerra Mundial, a geração de jovens de hoje viverá pior que a dos seu pais.
Questionava hoje, creio que o Prof. Jorge Leite, no debate sobre o Trabalho, quem seria o pai que aconselharia o seu filho a não assinar um contrato de trabalho porque, numa das suas cláusulas, o obrigavam a dizer se é sindicalizado, se pretende ser, em que Sindicato...e, no entanto, como realçava, esta é uma das formas mais atentatórias da dignidade de qualquer um de nós, de que se revestem hoje as relações de trabalho. O medo e a chantagem.
A questão é que não temos capacidade de os "sugestionar" a dizer não, porque não temos hipóteses de lhes dar uma vida digna sem o seu contributo financeiro, porque sabemos que se não for essa cláusula outra qualquer surgirá em qualquer canto, mais ou menos recôndito, do contrato de trabalho, porque sabemos, e sabemos que as entidades patronais sabem, que, se eles recusarem, atràs de si, uma fila enorme de outros filhos esperam pelo lugar.
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O facto de sabermos que os nossos filhos são, na esmagadora maioria dos casos, muito melhor qualificados que nós - a geração melhor qualificada desde a Guerra, acrescentava-se, que o acesso a essa qualificação só foi, na maioria dos casos, possível com grandes sacrificios, mas, sobretudo, o facto de sabermos que a vão deitar para o lixo, em qualquer call center ou caixa de supermercado, leva-nos a, perante uma dúvida "assino?", pouco nos poder restar dos princípios com que nos fizemos como trabalhadores e como seres humanos.
Quando me recordo da vida que o meu pai me contava, em que uma sardinha chegava para três, mas a que sempre acrescentava que, na altura do pai dele, não havia sardinha, penso sempre que o meu filho se arrisca a voltar a não ter sardinha, se isso depender dum emprego que possivelmente não terá ou duma estabilidade que não alcançará.
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Falava-se também, numa parte do debate, das relações afectivas que criámos e criamos com os lugares onde passamos muitas horas das nosssa vidas. Amanhã, num qualquer momento do jantar de Natal dos trabalhadores da empresa, receberei uma qualquer "lembrança" para comemorar os meus 25 anos de serviço. Passei nela momentos maus e bons. Conheci momentos de absoluta vontade de mudar e outros em que sentia a falta do "Belíta já por cá?", dum colega de trabalho, ou do chá para as enxaquecas com bolinhos a acompanhar, de outro...dos murros na mesa das reuniões da CT, ou das noites com o Código de Trabalho na cabeceira, para lhe conhecer as manhas...olho para o meu filho, dias e dias agarrado ao Cálculo ou à Programação, e sei que não terá oportunidade de receber lembranças de 25 anos, possivelmente não poderá bater na mesa, porque nem mesa terá, e, por mais atentatório dos seus direitos que o Código de Trabalho seja, nem lhe valerá a pena lê-lo com demasiada atenção, porque as entidades patronais vão sempre uns passos mais à frente e, enquanto o Presidente da CIP apoia o Código de Vieira da Silva, nas empresas nem o Código de Vieira da Silva se cumprirá, tal como nunca sequer se cumpriu o de Bagão.
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Seja em sardinhas, seja em direito ao trabalho, seja em trabalho com direitos, seja em direito à vida pessoal, seja em direito a ser cidadão interveniente no seu local de trabalho, no País e no Mundo, a geração do meu filho retrocederá em relação à minha.
Como não vale a pena chorar sobre leite derramado, vamos ter que começar tudo do início. Mas, por eles, e até porque eles podem menos que nós (outro retrocesso em relação ao que fomos - na idade deles, o mundo pertencia-nos muito mais do que tinha pertencido aos nossos pais, hoje o Mundo é cada vez menos deles e muito menos deles do que poderia ter sido nosso), vamos ter que começar do início, agora. Não temos o direito de desistir de lhes dar, pelo menos, o mesmo que tivemos. Ou teremos falhado redondadamente. Como cidadãos. Mas também como pais.
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Quando olhamos para as manifestações dos jovens gregos, sabemos que são manifestações de jovens sem presente e sem futuro. Dos filhos da nossa geração. Que possivelmente já não lutam por um Mundo melhor como nós tivemos o direito de lutar. Apenas por um Mundo onde tenham (algum) lugar.
Etiquetas: Isabel Faria
6Comenta Este Post
É isso mesmo.
Quando não há nada a perder, não há motivos para não partir a louça. Quando já há muito tempo que não há nada a perder, solta-se a revolta e parte-se tudo. Só espero que depois de tudo partido, haja forças e vontade para construir tudo de novo.
Grande post Isabel...
Excelente post Isabel, mas gostava de acrescentar uma coisa. Podemos deixar aos nossos menos que outros nos deixaram a nós. Umas vezes por desleixo outras por incapacidade mas há uma coisa uq enão odemos deixar de deixar ás próximas gerações. É que vale a pena lutar e incutir-lhes no espírito não há fatalidades e outro mundo é possível.
Grande reflexão, Isabel!!!
Saúdo-te pela lucidez e acompanho-te nas preocupações, na certeza de que isto, duma forma ou de outra, tem que mudar.
Realmente é caso para relembrar uma expressão que querida aos pais, que é
"anda uma mãe a criar os filhos para isto"
As mães dizem-nos isto cheias de amor e afeto no coração e de uma maneira irónica. Mas no caso concreto do mundo actual onde vivemos, esta expressão é assustadoramente real.
O mundo precisa de renascer
António
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