Esperas

De vez em quando lembro-me de mim assim. Esperava, apenas. Sem saber porquê, por quem ou para quê. Esperava pelo futuro. Pelo presente. Por compreender o passado. Por um chocolate Regina que o meu pai trazia da Música. Ou por a minha mãe que se atrasava na padaria e eu não podia entrar em casa, que sempre teimei em que andar com as chaves era uma imensa responsabilidade...
Algumas vezes, como a menina da foto, fazia má cara às esperas. Apetecia-me largar a mala dos livros e ir brincar. E não tinha chave. Saborear o chocolate. E o meu pai tardava. Ou crescer. E as esperas impacientavam-me. Mas esperava sempre. Mesmo impaciente, esperava. Apenas. Sem saber o quê. Ou quem.

Hoje, algumas vezes, ainda espero. Creio que aprendi a saber o que espero e quem espero. Desisti de esperar entender o passado. E sei que já não espero tudo do futuro. Nunca serei médica. Nem cabeleireira. Nunca terei uma cabra no quintal a comer a erva e os jornais velhos. Duvido que venha a ter uma casa ao pé dum mar revolto e barulhento.
Pelo presente continu a esperar. Algumas vezes com a mesma cara de impaciência da menina. Pelo futuro, o outro, que não mete casas ao pé do mar, bisturis ou bigoudis, também.

A maioria das vezes, em que espero agora, sei o quê e quem. Deve ser porque cresci.
Só não sei se isso é (sempre) uma coisa boa. E reconheço que continuo a fazer má cara às esperas.

A má cara não me impede de esperar...mas aconselha-me a afastar-me do espelho...